“Tá todo mundo mal” e o que as mídias sociais têm a ver com isso

Publicado primeiramente em Bitniks.

Há sete anos a youtuber Jout Jout publicou em seu canal o vídeo “Tá todo mundo mal” do qual traz na narrativa a exemplificação de uma cena em que Jout Jout diz: “você tá lá sofrendo, triste, deprimida, mas aí você fala ‘ah aqui, a paisagem bonita dessa praia… [tira uma foto e posta] aí o que o mundo vê? Você numa praia bonita, ele não vê o que tinha antes… você andando deprimida, num trabalho que você não gosta… é tudo uma grande mentira, a gente fica mentindo o tempo todo…”. Bom, essa não é só uma constatação empírica da Jout Jout, o próprio Facebook realizada experimentos sobre contágio emocional em larga escala desde 2012.

Coincidência ou não (ou perversidade ou não), em pleno setembro amarelo, o Facebook confirmou por meio de mais uma de suas pesquisas que o Instagram é prejudicial para adolescentes. As análises, que foram realizadas nos últimos três anos na plataforma, tiveram como foco apresentar inferências sobre saúde mental, discurso político e tráfego de pessoas. No que se refere à saúde mental, o estudo aponta que 32% das meninas adolescentes relatam que quando se sentem mal com seus corpos, o Instagram as fazem se sentir ainda pior. Outro dado informa que os adolescentes consideram o Instagram culpado pelo aumento de depressão e ansiedade. A respeito de pensamentos suicidas, 13% dos usuários britânicos e 6% dos usuários americanos desenvolveram o problema por meio do Instagram.    

Obviamente que a empresa sabia dos danos à saúde mental durante a condução das pesquisas e dos variados testes na plataforma. Em um mundo menos distópico poderíamos dizer que existe aí um dilema moral, mas na verdade o dilema é financeiro. Em 2019 o Instagram faturou 20 bilhões de dólares com receita de publicidade. Os usuários com 22 anos ou menos compõem 40% dos usuários da plataforma e só nos Estados Unidos são cerca de 22 milhões de adolescentes. Os pesquisadores da empresa estão em busca de reduzir os danos à saúde mental, mas sem deixar que aconteça uma debandada da plataforma o que significa prejuízo financeiro para os negócios de Zuckerberg.

Em 2017, o estudo “Uso de redes sociais, influência da mídia e insatisfação com a imagem corporal de adolescentes brasileiras” já dava algumas pistas do tamanho do problema. As pesquisadoras utilizaram como métodos um estudo transversal com dados demográficos e antropométricos, questionário sobre frequência de acesso às mídias sociais e as possíveis influências. Para analisar a Imagem Corporal (IC) o estudo se baseou na Escala de Silhuetas Brasileiras e a avaliação da influência da mídia foi feita pela subescala 1 de internalização geral da Escala de Atitudes Socioculturais em Relação à Aparência (SATAQ-3).

Participaram do estudo 212 meninas adolescentes estudantes de escola pública e de uma organização não governamental da capital paulista e do Interior de São Paulo. Dentre os resultados, 85,8% estavam insatisfeitas com a Imagem Corporal e o acesso diário maior de 10 vezes ao dia ao Facebook e Instagram aumentou a chance de insatisfação em 6,57 e 4,47 vezes, respectivamente. As pesquisadoras concluem que as mídias sociais estão associadas à insatisfação da Imagem Corporal de meninas adolescentes.

1 Fonte: Lira, Ganen, Lodi e Alvarenga, 2017

Tenho falado repetidamente por aqui sobre a importância de refletir a respeito de problemáticas complexas como essa a partir de uma lente interdisciplinar e intersetorial. É uma tarefa da educação e literacia midiática? É uma missão da psicologia e o trabalho com reforço de autoimagem? É uma questão de regulamentação de mídia e de limites éticos quanto ao uso de dados? Pode ser um problema de todas essas e de outras áreas, mas é, principalmente, sobre estabelecer limites e punições ao Facebook (e a outras big techs) que vem reiteradamente usando dados indevidamente e causando diversos estragos individuais e coletivos em diversos países.   

Discurso de ódio e a violência política contra mulheres negras

O Instituto Marielle Franco, criado por familiares da vereadora carioca após seu brutal assassinato, lançou recentemente a pesquisa A violência política contra mulheres negras. O estudo inédito realizado com candidatas negras das eleições municipais de 2020 teve, ao todo, 142 participantes de 21 estados de todas as regiões do Brasil e de 16 partidos. Importante pontuar que todas elas estavam comprometidas com a Agenda Marielle Franco, os compromissos com práticas e pautas antirracistas, feministas e populares a partir do legado de Marielle.

A pesquisa aponta as mais recorrentes violências sofridas por mulheres negras no período eleitoral de 2020. A violência virtual foi a mais citada entre as entrevistadas, com 78%. Dentre estas violências virtuais os atos ocorridos são o recebimento de mensagens racistas, machistas, misóginas ou LGBTfóbicas nas redes sociais e por e-mail, invasão e ofensas em reuniões virtuais ou lives, as candidatas foram alvos de desinformação, hackeadas em perfis pessoais nas redes sociais ou em seus dispositivos eletrônicos.

O discurso de ódio é um problema complexo e interdisciplinar com crescimento a cada ano, Trindade (2020) analisou 506 matérias jornalísticas que continham o termo “discurso de ódio” entre os anos 1993 e 2018. O pesquisou constatou que é a partir de 2012 em que ocorre mais matérias com o termo, com 92,6% citações até 2018. Para Trindade, o fato se relaciona com a expansão das plataformas de mídias sociais e reforça a urgência do debate sobre o tema no contexto digital global.

Para o autor, há uma ‘nova ordem mundial’ a partir de 2012, onde discurso de ódio tornou-se parte do cenário digital global. No Brasil se destaca o discurso de ódio de cunho racista contra pessoas negras, principalmente em razão das plataformas de redes sociais representarem a arena contemporânea para a construção, disseminação e reforço de valores distorcidos, ou seja, outros mecanismos de perpetuação das desigualdades sociais e raciais. Trindade avalia que esse discurso de ódio é mais contundente quando se trata de mulheres negras que ascendem socialmente ou passam a ocupar ‘espaços de privilégio e poder’, suas conquistas são ridicularizadas e desqualificadas.

Para Ruha Benjamin visões de desenvolvimento são construídas a partir de formas de subjugação social e política que constantemente atualizam suas técnicas de dominação. Para a pesquisadora:

A tecnologia não é apenas uma metáfora racial, mas um dos muitos meios pelos quais as formas anteriores de desigualdade são atualizadas. Por esse motivo, é vital que os pesquisadores façam um balanço rotineiro das ferramentas conceituais que usamos para entender a dominação racial (2020, p.19).

Acesse e baixe o relatório completo aqui. 

Referências:

BENJAMNI, Ruha. Retomando nosso fôlego: estudos de Ciência e Tecnologia, Teoria Racial Crítica e a imaginação carcerária. In SILVA, Tarcízio (org). Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: olhares afrodiapóricos. LiteraRua: São Paulo, 2020.

TRINDADE, Luiz Valério P. Mídias Sociais e a naturalização de discursos racistas no Brasil. In SILVA, Tarcízio (org). Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: olhares afrodiapóricos. LiteraRua: São Paulo, 2020.

Artigo: #quemmandoumatarmarielle: a mobilização online um ano após o assassinato de Marielle Franco

Acaba de ser publicado na Revista Líbero o artigo #quemmandoumatarmarielle: a mobilização online um ano após o assassinato de Marielle Franco em co-autoria entre Taís Oliveira, Dulcilei Lima e o Professor Dr. Claudio Penteado.

O artigo apresenta o resultado do mapeamento de conversas e grupos no marco de um ano do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, ocorrido em 14 de março de 2018. A metodologia utilizada foi a Análise de Redes Sociais na Internet a partir de publicações no Twitter com as hashtags #QuemMatouMarielle, #QuemMandouMatarMarielle, #MariellePresente, #MarielleFrancoVive e #MarielleVive.

Buscamos compreender quais as pautas levantadas pelos usuários e que grupos são identificados a partir da clusterização da rede. Quando Marielle foi morta, essas hashtags reuniram discussões, manifestações de condolência, cobrança por justiça e o assunto chegou a ocupar a primeira posição no Trending Topics Mundial do Twitter no dia 15 de março de 2018. Dias antes do marco de um ano da morte da vereadora surgiram nas redes sociais as primeiras mobilizações com a convocação de atos, homenagens, filtros nas fotos de perfil no Facebook, ações que cresceram com a notícia das prisões de dois suspeitos. Observamos nesse contexto a estrutura e os atributos relacionais de tais manifestações.

Obtivemos como principais resultados uma rede extensa, descentralizada, com nós unilaterais e diversos clusters. Embora com nós pouco conectados, as conversas na rede se deram sob as mesmas pautas baseadas em uma única questão: quem mandou matar Marielle?

Acesse o artigo completo aqui.

Comunidades, algoritimos e ativismos digitais: olhares Afrodiaspóricos

Capa por Isabella Bispo

Muito em breve será lançado a coletânea ‘Comunidades, algoritimos e ativismos digitais: olhares Afrodiaspóricos’ organizada por Tarcízio Silva.

O livro reúne 14 capítulos de pesquisadoras e pesquisadores brasileiros e traduções de autores dos países Congo, Etiópia, Gana, Nigeria, Colômbia, Estados Unidos e Reino Unido. O objetivo da publicação é agregar reflexões diversas e interdisciplinares sobre comunicação digital, raça, negritude e branquitude.

Dentre os atores, há nomes como Ruha Benjamin, Niousha Roshani, Andre Brock, Abeba Birhane, Serge Katembera Rhukuzage, Thiane Neves, Larisse Louise Pontes Gomes, entre outros. Eu e a Dulcilei Lima apresentaremos o capítulo “Mulheres e tecnologias de sobrevivência: Afroempreendedorismo e  Economia Étnica” que traz uma reflexão sobre o perfil das mulheres Afroempreendedoras e como as tecnologias são apropriadas para se pensar em trabalho e renda.

O livro será gratuito no formato digital. Para receber em primeira mão, cadastre-se aqui.

Pra quem já mordeu um cachorro por comida…

Pra quem já mordeu um cachorro por comida, até que eu cheguei longe é nome da primeira mixtape do rapper Emicida e é também nome da antologia que celebra os 10 anos desse marco histórico no rap nacional, um projeto organizado pelo cantor e em parceria com a Laboratório Fantasma e LiteraRua.

Pois bem, estava bem plena desembarcando em Belém para o Intercom quando recebo uma notificação de dm no Twitter de nada mais nada menos que o próprio Emicida. Importante dizer o quando exatamente, pois estava recém titulada e indo apresentar um artigo sobre o resumo da minha dissertação.

Era um convite para escrever um artigo sobre minha pesquisa para compor a antologia. O livro conta com a participação de mais 54 autores, dentre os quais nomes como Roberta Estrela D’Alva, KLJay, Leci Brandão, Mel Duarte, Suzane Jardim, Dona Jacira, Jessé Souza, Caio César, Alê Santos, Nina Silva, entre outros. Meu artigo é o ‘Quando nóiz perceber o poder que tem, cuidado’, falo sobre a pesquisa em Afroempreendedorismo, economia étnica e as conexões possíveis a parte das redes.

Além dos 54 artigos, o livro é esteticamente lindo e conta com ilustrações exclusivas pensadas para cada capítulo e que referenciam cada uma das 25 músicas que compõe a mixtape. Acesse o site da Lab para saber como adquirir a obra. 🙂