Desinformação, discurso de ódio e a quebra do pacto social implícito

Publicado primeiramente em Bitniks.

Muniz Sodré tem uma passagem em seu livro Claros e Escuros que diz o seguinte: o que de fato parece chocar a consciência pública é a quebra do pacto social implícito de invisibilização dos mecanismos discriminatórios. Na realidade, a discriminação […] em todas as suas formas é fenômeno constante e socialmente problemático. 

Em nossa conversa anterior comentei que falaria por aqui sobre alguns sistemas de opressão relacionados à tecnologia, como a discriminação algorítmica, vazamento de dados, manipulação e clonagem de informações, entre outros. Hoje, especificamente, gostaria de chamar atenção para o problema da desinformação e do discurso de ódio.

1 Fonte: Capa da Pesquisa A violência política contra mulheres negras | Instituto Marielle Franco

A desinformação é o espalhamento de ideias falsas ou manipuladas que tem como objetivo causar uma confusão na sociedade. A partir principalmente de mediações tecnológicas como o computador ou o celular, a indústria da desinformação se aproveita da intolerância causada pela polarização política para invalidar a pluralidade de opiniões, reforçar concepções de determinados grupos sociais, disseminar violência discursiva e que as vezes até gera violência física.

Geralmente junto com a desinformação vem o discurso de ódio, a respeito desse tema o pesquisador Luiz Valério de Paula Trindade estudou 506 matérias jornalísticas que continham o termo “discurso de ódio”. Seu recorte temporal está entre os anos 1993 e 2018 e seu estudo aponta que é a partir de 2012 em que o termo aparece com maior frequência nos veículos analisados, com 92,6% de citações até 2018. Para o pesquisador, o fato está relacionado à expansão das plataformas de mídias sociais e revela uma urgente necessidade de debater o discurso de ódio no contexto digital global.

Um exemplo recente destes problemas é apresentado no estudo A violência política contra mulheres negras do Instituto Marielle Franco. A pesquisa indica quais as violências sofridas por mulheres negras no período pré-eleitoral, de campanha e pós-eleitoral de 2020. A partir do apontamento das participantes, 78% relatam ter sofrido algum tipo de violência virtual, o maior índice entre práticas mencionadas.

2 Fonte: Pesquisa A violência política contra mulheres negras | Instituto Marielle Franco

Dentre as variações destas violências virtuais estão o recebimento de mensagens racistas, machistas, misóginas ou LGBTfóbicas nas redes sociais e por e-mail, invasão e ofensas em reuniões virtuais ou lives, estas mulheres foram alvos de desinformação, hackeadas em perfis pessoais nas redes sociais ou em seus dispositivos eletrônicos. Como dito anteriormente, certos sistemas de opressão são intensificados com o uso de ferramentas tecnológicas. As mulheres negras, foco da pesquisa do Instituto Marielle, já são cotidianamente atingidas por discriminações de gênero, raça, classe, orientação sexual entre outros aspectos. A intermediação, o alcance e as consequências destas violências por meio da tecnologia reforça a  importância e a urgência de tratar do tema desinformação e discurso de ódio com uma seriedade interdisciplinar.

3 Fonte: Pesquisa A violência política contra mulheres negras | Instituto Marielle Franco

O problema é complexo e perpassa por diversos setores da sociedade que necessitam de conscientização e responsabilização como os setores governamentais, de comunicação, educacionais, da indústria de desinformação e dos usuários que colaboram com a disseminação.

Além destes, também é responsabilidade dos setores econômicos, como as grandes corporações e plataformas de mídias sociais, estas com grande poder de intervenção para, ao menos, reduzir os danos causados pela desinformação e discurso de ódio. É mais que urgente quebrar o pacto social implícito de invisibilização dos mecanismos discriminatórios, sobretudo daqueles que detém poder e informação, mas optam por amenizar ou esconder os impactos de fenômenos avassaladores como este.

Discurso de ódio e a violência política contra mulheres negras

O Instituto Marielle Franco, criado por familiares da vereadora carioca após seu brutal assassinato, lançou recentemente a pesquisa A violência política contra mulheres negras. O estudo inédito realizado com candidatas negras das eleições municipais de 2020 teve, ao todo, 142 participantes de 21 estados de todas as regiões do Brasil e de 16 partidos. Importante pontuar que todas elas estavam comprometidas com a Agenda Marielle Franco, os compromissos com práticas e pautas antirracistas, feministas e populares a partir do legado de Marielle.

A pesquisa aponta as mais recorrentes violências sofridas por mulheres negras no período eleitoral de 2020. A violência virtual foi a mais citada entre as entrevistadas, com 78%. Dentre estas violências virtuais os atos ocorridos são o recebimento de mensagens racistas, machistas, misóginas ou LGBTfóbicas nas redes sociais e por e-mail, invasão e ofensas em reuniões virtuais ou lives, as candidatas foram alvos de desinformação, hackeadas em perfis pessoais nas redes sociais ou em seus dispositivos eletrônicos.

O discurso de ódio é um problema complexo e interdisciplinar com crescimento a cada ano, Trindade (2020) analisou 506 matérias jornalísticas que continham o termo “discurso de ódio” entre os anos 1993 e 2018. O pesquisou constatou que é a partir de 2012 em que ocorre mais matérias com o termo, com 92,6% citações até 2018. Para Trindade, o fato se relaciona com a expansão das plataformas de mídias sociais e reforça a urgência do debate sobre o tema no contexto digital global.

Para o autor, há uma ‘nova ordem mundial’ a partir de 2012, onde discurso de ódio tornou-se parte do cenário digital global. No Brasil se destaca o discurso de ódio de cunho racista contra pessoas negras, principalmente em razão das plataformas de redes sociais representarem a arena contemporânea para a construção, disseminação e reforço de valores distorcidos, ou seja, outros mecanismos de perpetuação das desigualdades sociais e raciais. Trindade avalia que esse discurso de ódio é mais contundente quando se trata de mulheres negras que ascendem socialmente ou passam a ocupar ‘espaços de privilégio e poder’, suas conquistas são ridicularizadas e desqualificadas.

Para Ruha Benjamin visões de desenvolvimento são construídas a partir de formas de subjugação social e política que constantemente atualizam suas técnicas de dominação. Para a pesquisadora:

A tecnologia não é apenas uma metáfora racial, mas um dos muitos meios pelos quais as formas anteriores de desigualdade são atualizadas. Por esse motivo, é vital que os pesquisadores façam um balanço rotineiro das ferramentas conceituais que usamos para entender a dominação racial (2020, p.19).

Acesse e baixe o relatório completo aqui. 

Referências:

BENJAMNI, Ruha. Retomando nosso fôlego: estudos de Ciência e Tecnologia, Teoria Racial Crítica e a imaginação carcerária. In SILVA, Tarcízio (org). Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: olhares afrodiapóricos. LiteraRua: São Paulo, 2020.

TRINDADE, Luiz Valério P. Mídias Sociais e a naturalização de discursos racistas no Brasil. In SILVA, Tarcízio (org). Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: olhares afrodiapóricos. LiteraRua: São Paulo, 2020.

Artigo: #quemmandoumatarmarielle: a mobilização online um ano após o assassinato de Marielle Franco

Acaba de ser publicado na Revista Líbero o artigo #quemmandoumatarmarielle: a mobilização online um ano após o assassinato de Marielle Franco em co-autoria entre Taís Oliveira, Dulcilei Lima e o Professor Dr. Claudio Penteado.

O artigo apresenta o resultado do mapeamento de conversas e grupos no marco de um ano do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, ocorrido em 14 de março de 2018. A metodologia utilizada foi a Análise de Redes Sociais na Internet a partir de publicações no Twitter com as hashtags #QuemMatouMarielle, #QuemMandouMatarMarielle, #MariellePresente, #MarielleFrancoVive e #MarielleVive.

Buscamos compreender quais as pautas levantadas pelos usuários e que grupos são identificados a partir da clusterização da rede. Quando Marielle foi morta, essas hashtags reuniram discussões, manifestações de condolência, cobrança por justiça e o assunto chegou a ocupar a primeira posição no Trending Topics Mundial do Twitter no dia 15 de março de 2018. Dias antes do marco de um ano da morte da vereadora surgiram nas redes sociais as primeiras mobilizações com a convocação de atos, homenagens, filtros nas fotos de perfil no Facebook, ações que cresceram com a notícia das prisões de dois suspeitos. Observamos nesse contexto a estrutura e os atributos relacionais de tais manifestações.

Obtivemos como principais resultados uma rede extensa, descentralizada, com nós unilaterais e diversos clusters. Embora com nós pouco conectados, as conversas na rede se deram sob as mesmas pautas baseadas em uma única questão: quem mandou matar Marielle?

Acesse o artigo completo aqui.

Congresso Compolítica: Política e Comunicação Pós-Eleições no Brasil

No mês de maio acontece o 8º Congresso Compolítica que vai tratar de política e comunicação no pós-eleições no Brasil. O evento acontecerá na Universidade de Brasília entre os dias 15 e 17 de maio e contará com palestras dos professores Wilson da Silva Gomes (UFBA), Flávia Biroli (UNB), Luciana Ferreira Tatagiba (Unicamp), Maria Helena Weber (UFRGS), Rousiley Maia (UFMG), Afonso de Albuquerque (UFF), Luis Felipe Miguel (UNB) e Mauro Porto (Tulane University).

A colega Dulci Lima e eu escrevemos um artigo sobre o marco do um ano do assassinato de Marielle Franco nas redes sociais e apresentaremos no evento. O artigo teve como objetivo mapear as conversas e grupos estabelecidos no dia 14 de março de 2019 a partir de Análise de Redes Sociais no Twitter sobre as publicações com as hashtags #QuemMatouMarielle, QuemMandouMatarMarielle, MariellePresente, #MarielleFrancovive e #MarielleVive.

Entre os principais clusters mobilizados e citados na ocasião encontramos a família Bolsonaro, políticos e veículos de comunicação aliados, algumas peculiaridades como o ator José de Abreu entre as principais referências da rede e o cluster da família de Marielle. Para ler o artigo na íntegra clique aqui e para acessar os anais do evento aqui. Em breve disponibilizaremos também a apresentação.

UPDATE: apresentação:

Marielle Presente: As redes sociais no marco de um ano da morte da vereadora carioca from Taís Oliveira