“Tá todo mundo mal” e o que as mídias sociais têm a ver com isso

Publicado primeiramente em Bitniks.

Há sete anos a youtuber Jout Jout publicou em seu canal o vídeo “Tá todo mundo mal” do qual traz na narrativa a exemplificação de uma cena em que Jout Jout diz: “você tá lá sofrendo, triste, deprimida, mas aí você fala ‘ah aqui, a paisagem bonita dessa praia… [tira uma foto e posta] aí o que o mundo vê? Você numa praia bonita, ele não vê o que tinha antes… você andando deprimida, num trabalho que você não gosta… é tudo uma grande mentira, a gente fica mentindo o tempo todo…”. Bom, essa não é só uma constatação empírica da Jout Jout, o próprio Facebook realizada experimentos sobre contágio emocional em larga escala desde 2012.

Coincidência ou não (ou perversidade ou não), em pleno setembro amarelo, o Facebook confirmou por meio de mais uma de suas pesquisas que o Instagram é prejudicial para adolescentes. As análises, que foram realizadas nos últimos três anos na plataforma, tiveram como foco apresentar inferências sobre saúde mental, discurso político e tráfego de pessoas. No que se refere à saúde mental, o estudo aponta que 32% das meninas adolescentes relatam que quando se sentem mal com seus corpos, o Instagram as fazem se sentir ainda pior. Outro dado informa que os adolescentes consideram o Instagram culpado pelo aumento de depressão e ansiedade. A respeito de pensamentos suicidas, 13% dos usuários britânicos e 6% dos usuários americanos desenvolveram o problema por meio do Instagram.    

Obviamente que a empresa sabia dos danos à saúde mental durante a condução das pesquisas e dos variados testes na plataforma. Em um mundo menos distópico poderíamos dizer que existe aí um dilema moral, mas na verdade o dilema é financeiro. Em 2019 o Instagram faturou 20 bilhões de dólares com receita de publicidade. Os usuários com 22 anos ou menos compõem 40% dos usuários da plataforma e só nos Estados Unidos são cerca de 22 milhões de adolescentes. Os pesquisadores da empresa estão em busca de reduzir os danos à saúde mental, mas sem deixar que aconteça uma debandada da plataforma o que significa prejuízo financeiro para os negócios de Zuckerberg.

Em 2017, o estudo “Uso de redes sociais, influência da mídia e insatisfação com a imagem corporal de adolescentes brasileiras” já dava algumas pistas do tamanho do problema. As pesquisadoras utilizaram como métodos um estudo transversal com dados demográficos e antropométricos, questionário sobre frequência de acesso às mídias sociais e as possíveis influências. Para analisar a Imagem Corporal (IC) o estudo se baseou na Escala de Silhuetas Brasileiras e a avaliação da influência da mídia foi feita pela subescala 1 de internalização geral da Escala de Atitudes Socioculturais em Relação à Aparência (SATAQ-3).

Participaram do estudo 212 meninas adolescentes estudantes de escola pública e de uma organização não governamental da capital paulista e do Interior de São Paulo. Dentre os resultados, 85,8% estavam insatisfeitas com a Imagem Corporal e o acesso diário maior de 10 vezes ao dia ao Facebook e Instagram aumentou a chance de insatisfação em 6,57 e 4,47 vezes, respectivamente. As pesquisadoras concluem que as mídias sociais estão associadas à insatisfação da Imagem Corporal de meninas adolescentes.

1 Fonte: Lira, Ganen, Lodi e Alvarenga, 2017

Tenho falado repetidamente por aqui sobre a importância de refletir a respeito de problemáticas complexas como essa a partir de uma lente interdisciplinar e intersetorial. É uma tarefa da educação e literacia midiática? É uma missão da psicologia e o trabalho com reforço de autoimagem? É uma questão de regulamentação de mídia e de limites éticos quanto ao uso de dados? Pode ser um problema de todas essas e de outras áreas, mas é, principalmente, sobre estabelecer limites e punições ao Facebook (e a outras big techs) que vem reiteradamente usando dados indevidamente e causando diversos estragos individuais e coletivos em diversos países.   

São as grandes corporações que têm mudado o clima do planeta

Publicado primeiramente em Bitniks.

Em dezembro do ano passado (2020) Timnit Gebru, até então colíder da equipe de ética em Inteligência Artificial do Google foi demitida de maneira bastante arbitrária. Gebru tem uma vasta e importante carreira na pesquisa e no campo de Inteligência Artificial, teceu sólidas críticas a projetos de reconhecimento facial e foi uma das fundadoras do Black In AI. A equipe de ética que desenvolveu no Google é considerada umas das mais diversas da área, tanto a respeito de especialidades quanto de pessoas.

Sua demissão gerou revolta em muitos dos próprios funcionários do Google e em uma enorme rede de profissionais e pesquisadores em tecnologia do mundo inteiro. O que se sabe é que Jeff Dean, chefe de IA do Google, forçou sua saída por não concordar com um artigo em que Gebru é coautora. Neste artigo há questionamentos sobre a atuação da corporação no processamento de grandes modelos de linguagem, sobretudo quanto aos riscos e consequências da manipulação de uma quantidade enorme de dados. 

Alguns desses riscos incluem os perigos de modelos de linguagem imitarem “muito bem” a linguagem humana o que pode gerar o uso para fins criminosos, como produção e disseminação de desinformação e discurso de ódio, por exemplo; ou ainda o desenvolvimento de um modelo de IA racista, sexista, xenófoba entre outras problemáticas, visto que a coleta ocorre de forma massiva e indiscriminada a partir de dados da Internet; e, um dos pontos que gostaria de tensionar aqui, os custos ambientais causados, principalmente, pela exacerbada energia elétrica necessária para que os computadores sejam capazes de processar a quantidade de dados destes modelos.

Isso significa que quantos mais dados processados maiores serão as emissões de carbono. Um único treinamento de uma única versão de modelo de linguagem seria equivalente à emissão de carbono de um voo ida e volta de Nova York a São Francisco (4.675km x2), por exemplo. Para as autoras, esse modelo de processamento beneficiaria somente as corporações e sem um plano de contingência de danos ambientais as consequências seriam muitas, sobretudo para populações e nações marginalizadas. Gebru levanta essas questões justamente para precaver danos que atingiriam toda a sociedade e não só a corporação. Afinal qual a função do setor de ética senão apontar e orientar a respeito desse tipo problema, não é? Seu ex-chefe, Jeff Dean, afirmou que o artigo não atendeu ao padrão de publicação do Google e então forçou sua demissão.

Corta para agosto de 2021, o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Changes / Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), desenvolvido pelo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente), lançou o relatório Climate Change 2021: the Physical Science Basis (Mudanças Climáticas 2021: a base das Ciências Físicas) que informa basicamente que as mudanças climáticas causadas pela humanidade são irreversíveis e a tendência é de piorar nas próximas décadas caso nada seja feito para reduzir os danos.  Essa informação gerou uma grande conversação nas mídias sociais, na imprensa, nos ativistas, organizações da sociedade civil que tratam do tema entre outros setores da sociedade. Dentre as quais, a conversa da imagem abaixo retirada diretamente do Twitter.

            Este relatório é o maior e o mais importante documento sobre mudanças climáticas da atualidade. A pesquisa durou cerca de 3 anos e contou com a expertise de pesquisadores de 195 países que analisaram mais de 14 mil documentos. A principal mensagem: nós não temos mais tempo! Aliás, as consequências se adiantaram e a previsão é que em 2030, que está logo ali, convenhamos, nós já vamos perceber as mudanças de forma ainda mais latente. Isso implica em climas muito intensos (muito frio ou muito quente), escassez de água, oceano subindo em decorrência do derretimento das geleiras e invadindo cidades litorâneas, queimadas, fluxos migratórios em decorrência do clima (mais do que por guerras, inclusive) e assim por diante.

O relatório e as conversações a partir dele trazem um apelo individual em torno do pacto coletivo pela redução de danos ambientais. Com certeza a individualidade é importante, além disso a adoção de políticas públicas é urgente, inclusive orientar governantes quanto às decisões é o principal foco do documento. Todavia é preciso abordagens que responsabilizem os maiores detratores do meio ambiente: as mega corporações. Sabe qual é o setor que mais libera os gases responsáveis pelo efeito estufa? O consumo de energia, com 73% das emissões mundiais, na subdivisão deste setor estão a geração de calor e eletricidade (30%), seguido de transportes (15%) e fabricação e construção (12%). Lembra dos questionamentos no artigo da Timnit Gedru? Pois é.

A análise a respeito do aquecimento global tem como marco temporal o ano de 1850, que é quando tem início a Revolução Industrial e consequentemente mais queima de combustíveis fósseis. E cada década tem sido sucessivamente mais quente que a anterior desde então. Nem é necessário aguardar 2030 para entender, vimos nessas últimas semanas as Olímpiadas em Tóquio ocorrerem sob um sol de 40 graus, ilha na Grécia em chamas, escassez de água e ondas de frio históricas em diversas regiões do Brasil, Canadá alcançando temperaturas de 49º C e assim por diante. Nós presenciamos, é um fato e não é um roteiro ficcional distópico sobre o fim do mundo.

Ora, se o marco do aquecimento global é a Revolução Industrial quando vamos falar das consequências das revoluções tecnológicas contemporâneas? Quando vamos transferir as responsabilidades individuais para as corporações que danificam exponencialmente o meio ambiente? Quando haverá políticas de regulamentação e fiscalização que extrapolem os discursos bonitos de ESG (Environmental, social and corporate governance / Governança Ambiental, Social e Corporativa)? Quando as corporações serão incluídas verdadeiramente no pacto coletivo de redução de danos?

Repito: não temos mais tempo! As medidas são urgentes, se não logo em breve os bilionários vão simplesmente pegar seus foguetes e lotear terra em Marte deixando o colapso climático da Terra para nós reles mortais. Inclusive, o passeio do Bezoz à borda da atmosfera, além de um investimento de bilhões de dólares, emitiu cerca de 300 toneladas de carbono, o que equivale à produção de toda uma vida de uma pessoa comum. Se é o ser humano que têm mudado o clima do planeta, trata-se de um tipo de ser humano em específico, como os Larry Page, Jeff Dean, Mark Zuckerberg, Jeff Bezoz e similares.

Meninas e Mulheres na Ciência e Tecnologia

Publicado primeiramente em Bitniks.

“Sempre amei compartilhar conhecimento, acredito na transformação do mundo através da educação livre de muros.” (Caroline Dantas)

A tecnologia tem diversas facetas. Pode ser destruidora ou potência na sociedade, a exemplo da minha própria trajetória compartilhada lá na nossa primeira conversa. Notadamente há desigualdades sociais que são reproduzidas no meio tecnológico, Canclini vai chamar isso de techno-apartheid, ou seja, quando grupos minoritários como negros, indígenas e mulheres, entre outros, têm dificuldade de acesso e uso de ferramentas tecnológicas.

Especificamente nos estudos sobre meninas e mulheres na tecnologia, a professora Cecilia Castaño Collado vai tratar das brechas tecnológicas de gênero. A pesquisadora baseia seus estudos sobre o tema em três tópicos principais: o acesso a equipamentos tecnológicos e internet; o uso das ferramentas digitais e internet; e a produção das tecnologias. Ou seja, uma visão ampla de análise que vai desde o necessário conhecimento para utilização das tecnologias, da estrutura e da própria capacidade de criar tecnologia. Obviamente que as brechas tecnológicas de gênero também perpassam por questões relacionadas à raça, classe e território, por exemplo, e tudo somado dificulta o acesso e a o desenvolvimento de mulheres na área da ciência e tecnologia.

O levantamento da PretaLab sobre a inserção de mulheres negras na inovação e tecnologia aponta que grande parte das participantes da pesquisa tiveram contato com a tecnologia primeiro por meios informais, como internet, fóruns, amigos e cursos livres; sobre motivação no campo, 29,1% mencionam o potencial de inovação, 14,6% as possibilidades de transformação social e 13,9% o alcance; 1 em cada 5 participantes do estudo é mãe; todas as entrevistadas demonstraram interesse em compartilhar aprendizados e experiências sobre a área de tecnologia com outras meninas e mulheres.

Para mais análises do levantamento da PretaLab, sugiro ler esse artigo, mas me chama a atenção o potencial multiplicador de conhecimento e experiência mencionado no último item acima. No relatório, especificamente sobre meninas e mulheres negras na tecnologia, há diversos projetos mencionados que têm como objetivo ir além dos muros institucionais (ou se apropriar deles) do saber e propagar informações sistematizadas, experiências e outros pontos de vista, como a Criola, Blogueiras Negras, Pretas Hackers, Minas Programam, Info Preta, entre outros. Há ainda outras iniciativas como Programaria, Maria Lab, Django Girls e PyLadies. Todas os projetos comprometidos em diminuir as disparidades decorrentes das brechas tecnológicas de gênero e suas demais interseccionalidades.

“Ah, mas isso não seria segregar ainda mais o mercado, os espaços de aprendizado e a sociedade?”. Definitivamente não. E só você ainda pensa assim em pleno 2021, volte algumas casas e recomece seu processo de reflexão. Bem como apontado ali no relatório da PretaLab, grande parte das entrevistadas buscam a capacidade de inovação e as possibilidades de transformação social. Os esforços coletivos, em geral, tentam “apenas” diminuir o techno-apartheid e as brechas tecnológicas, o que me parece bom para a sociedade como um todo e assim promover potencialidades a partir da tecnologia, e não destruição.

Que sejamos capazes de fortalecer os trabalhos das iniciativas já existentes ou criar novos, que possamos ser agentes de reapropriação de espaços institucionais e abrir caminhos para novas gerações de meninas e mulheres na ciência e tecnologia.

Perspectivas tecnológicas do Sul Global. Mas qual Sul?

Publicado primeiramente em Bitniks.

Nos últimos anos tem se popularizado eventos, disciplinas, cursos e publicações na área da tecnologia que evocam as “perspectivas do Sul Global” baseados em promessas de um olhar decolonial (ou descolonial ou pós-colonial), porém quase sempre são as mesmas referências, os mesmos nomes e as mesmas perspectivas hegemônicas de sempre.

Inclusive a própria falta de consenso e o infinito debate em relação ao conceito e aplicação dos termos “decolonial”, “descolonial” ou “pós-colonial” denuncia a falta de foco no que realmente importa. Invés de horas a fio debatendo o conceito, que tal questionar as práticas acadêmicas que seguem eurocentradas, machistas, elitistas e fincadas no sistema da branquitude?

Quando há uma singela demonstração de interseccionalidade nos eventos, disciplinas, cursos e publicações ainda prevalece a política do “único representante”. A única pessoa não-branca, a única mulher, a única pessoa LGBTQI+ e assim por diante. A homogeneização de grupos tão plurais é tão violenta quanto seu apagamento.

Permanecer com os mesmos olhares e pontos de vista em situações que provocam a reflexão sobre novos modos de sociedade leva à reflexão sobre a necessidade de questionar os representantes de sempre, pois foram esses olhares que nos trouxeram até aqui e até as nossas problemáticas contemporâneas.

A ciência e o conhecimento oriundo do continente africano quase nunca são lembrados nestas atividades do “Sul Global” que se pretendem decoloniais. Deste modo, aproveito a celebração do Dia da África (25/5) – data para recordar a luta por independência de países africanos – e este espaço para apresentar (ou relembrar) alguns pesquisadores da Ciência, Sociedade & Tecnologia que tem feito importantes contribuições para debates atuais.

Abeba Birhane (Étiópia): É doutoranda em ciências cognitivas no Complex Software Lab da University College Dublin na School of Computer Science. Sua pesquisa perpassa as relações entre tecnologias emergentes e os impactos sociais, políticos e econômicos na sociedade. Abeba também dá aulas sobre Pensamento Crítico e Ética em Dados, Inteligência Artificial para ciência de dados, Introdução à Ética e Pensamento Crítico. Entre suas principais publicações está o artigo Algorithmic colonization of Africa.

Artwell Nhemachena (Namíbia): É Doutor em Antropologia Social atua em áreas como Estudos Sociológicos e Antropológicos de Ciência e Tecnologia, Governança e Democracia, Transformações e Decoloniedades, entre outros. No livro Decolonising Science, Technology, Engineering and Mathematics (STEM) in an Age of Technocolonialism: Recentring African Indigenous Knowledge and Belief Systems do qual o professor é co-organizador, discute-se as noções de colonialidade da ignorância e geopolítica da ignorância como central para a colonialidade e colonização.

Ayodele James Akinola (Nigéria): Pesquisa, principalmente, em torno das Humanidades Digitais e a aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação para fins educacionais. No artigo Pragmatics of crisis-motivated humour in computer mediated platforms in Nigeria discute como o humor é mediado pela tecnologia e os impactos em aspectos sociopolíticos na Nigéria.

Edda Tandi Lwoga (Tanzania): É Professora Associada em Ciência da Informação no College of Business Education (CBE) na Tanzânia. Ela também é o Ponto Focal do País (CFP) do Acesso Digital à Pesquisa – Banco de Tecnologia das Nações Unidas na Tanzânia. Suas pesquisas têm como foco sistemas de informação, gestão do conhecimento, acesso aberto e dados abertos, TIC para o desenvolvimento, TIC e empoderamento de jovens e mulheres, ciência da informação e e-learning. Entre seus artigos mais citados está o  New technologies for teaching and learning: Challenges for higher learning institutions in developing countries.

Francis B. Nyamnjoh (Camarões): Nascido em Camarões, atualmente é Professor nas áreas de sociologia, antropologia e estudos de comunicação da University of Cape Town. Suas pesquisas tratam de temas como globalização, mídia, identidade, mobilidade e uma de suas principais obras é o livro #RhodesMustFall: Nibbling at resilient colonialism in South Africa que discute problemas sociais existentes na África do Sul pós-apartheid e tem como base de análise o movimento Rhodes Must Fall liderado por jovens universitários.

Gado Alzouma (Nigéria): Professor de Sociologia e Antropologia na American University da Nigéria. Suas pesquisas são focadas em informação, comunicação e tecnologia para o desenvolvimento social. Em seu artigo Myths of Digital Technology in Africa: Leapfrogging Development? analisa criticamente as promessas de uma sociedadde tecnocentrista em torno do contexto social da África.

Rediet Abebe (Etiópia): É cientista da computação, atua especialmente com algoritmos e inteligência artificial e seus impactos sociais e raciais. Atualmente é Junior Fellow na Harvard Society of Fellows e Professora Assistente em Ciência da Computação na University of California. É co-organizadora do Mechanism Design for Social Good  e co-fondudadora do Black in AI. Um dos seus artigos mais citados é o Using search queries to understand health information needs in africa.

Sabelo J Ndlovu-Gatsheni (Zimbabwe): Professor especialista em Epistemologias do Sul Global com ênfase em África na University of Bayreuth, na Alemanha. Sabelo é um importante teórico descolonial com diversas publicações, dentre as quais The primacy of knowledge in the making of shifting modern global imaginaries, Coloniality of power in postcolonial Africa: Myths of Decolonization, The decolonial Mandela: Peace, justice and the politics of life, entre outros.

Sarah Chiumbu (África do Sul): Professora associada na Escola de Comunicação da Universidade de Joanesburgo, seus estudos são focados em mídia, democracia e cidadania, novas mídias, estudos de políticas, movimentos sociais, pensamento político africano, teorias descoloniais e pós-coloniais. Seu artigo mais referenciado, o Exploring mobile phone practices in social movements in South Africa–the Western Cape Anti-Eviction Campaign, trata do conjunto de novas práticas dos movimentos sociais a partir da popularização dos aparelhos celulares na África do Sul.

Tanja Bosch (África do Sul): Professora Associada de Estudos e Produção de Mídia na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul. Recentemente publicou o livro Social Media and Everyday Life in South Africa onde investiga como as plataformas de mídias sociais e demais tecnologias se tornaram ferramentas cotidianas para os sul africanos.

            A diversidade nas visões de mundo, a troca de experiências a partir de contextos similares, o conhecimento de referências para além do cânone padrão só tendem a agregar no urgente debate sobre Ciência, Sociedade & Tecnologia. Então, que façamos uso estratégico desta poderosa ferramenta que nos conecta. E viva à África.

Impactos sociais e políticos das Deepfakes

Publicado primeiramente em Bitnik.

Talvez em algum momento de 2020 você tenha se deparado com o vídeo sobre “uma criatura circulando” pelas ruas de Fortaleza (CE), Ilhéus (BA), João Pessoa (PB) ou Teixeira de Freitas (BA). De primeira parece algo curioso, assustador, inédito e até engraçado, mas na verdade esse tipo de conteúdo, além de ser uma mentira alarmista, evidencia que a manipulação de imagens e vídeos se tornou uma prática muito perigosa e corriqueira.

As Deepfakes são fruto de uma técnica bastante utilizada e debatida, principalmente a respeito de suas consequências. Trata-se da tentativa de repetir comportamentos humanos com base em milhões de imagens alocadas em bancos de dados e produzidas em processos de aprendizado de máquina a partir de redes neurais. Assim, é possível, por exemplo, fazer com que o Justin Bieber venha passear no Brasil, que o Barack Obama ofenda o Trump, criar um looping de Marthin Luther King e até a criação de nudes falsos.

Há diversos problemas sérios em torno das Deepkakes, como:

  • a criação de “fatos” difíceis de distinguir se é realidade ou ficcional;
  • a popularização de aplicativos especializados em criar esse tipo de material e seus interesses comerciais;
  • esses aplicativos disponibilizam um variado banco de imagens de personalidades públicas, todavia muitas vezes sem a expressa autorização do uso de sua imagem;
  • inserção de pessoas em contextos adversos como em falácias, pornografia ou crimes;
  • espalhamento rápido e em larga escala por meio das plataformas de mídias sociais;
  • e impacto direto na conversação pública por meio de produção de desinformação.

O relatório Deepfakes and Cheap Fakes do Data & Society mostra como funcionam os processos de manipulação de vídeos e imagens usando aprendizado de máquina a partir de redes neurais e por ferramentas mais populares, as chamadas “cheap fakes” expressão que pode ser traduzida como “falsificação barata”.

No infográfico abaixo há alguns exemplos de manipulação audiovisual (AV) que ilustram como os deepfakes e essas “falsificações baratas” se diferenciam em sofisticação técnica. Da esquerda para a direita, a complexidade técnica diminui e a capacidade do público em geral de produzir falsificações aumenta. Por outro lado, o desenvolvimento de deepfakes é mais dependente computacionalmente e menos acessível.

1 Tela do relatório Deepfakes and Cheap Fakes

Outro estudo realizado pelos pesquisadores Shu Hu, Yuezun Li Siwei Lyu da Universidade de Buffalo (EUA) propõe uma ferramenta que pretende revelar se determinada imagem é uma deepfake através do reflexo nos olhos, o que eles chamam de “a inconsistência dos destaques especulares da córnea entre os dois olhos sintetizados”. Os pesquisadores desenvolveram uma base de dados para o estudo com fotos reais do Flicker-Faces-HQ e fotografias falsas do site This Person Does Not Exist (Esta Pessoa Não Existe), plataforma que disponibiliza fotos de pessoas criadas a partir da mesma lógica de aprendizado de máquina e redes neurais.

Segundo os pesquisadores, a partir da análise do espelhamento da córnea gerado somente em fotografias reais é possível observar as disparidades com imagens não reais, por exemplo formas geométricas e posição do reflexo de forma desigual. Ou seja, ao olhar para uma mesma cena os dois olhos vão transmitir de maneira similar o reflexo do ambiente, o que não ocorre em imagens produzidas por aprendizado de máquina. A ferramenta ainda está em fase de ajustes, como os próprios autores apontam no artigo contextos e condições das fotografias podem gerar falsos positivos, mas no artigo publicado em outubro de 2020 os testes chegaram a 94% de eficácia.    

2 Tela do Artigo Exposing GAN-generated Faces Using Inconsistent Corneal Specular Highlights

Como afirma Milton Santos em uma passagem de Técnica, Espaço, Tempo – Globalização e meio técnico-científico informacional: “Quando a crítica não é acompanhada pela análise, ela permite a mobilização, mas não a construção. A crítica deveria suceder à análise, mas o que acontece, na maioria dos casos, é que a necessidade de ser crítico opera como se o analítico fosse dispensável”.

Especialistas defendem que algumas respostas possíveis às deepfakes e outras técnicas de manipulação de conteúdo devem estar amparadas em regulação e normas, educação midiática, mudança de postura cultural da sociedade para lidar e evitar com esse tipo de conteúdo e responsabilização das plataformas. É preciso uma abordagem interdisciplinar, interseccional e aprofundada para compreender as causas, consequências e contenções dessa modalidade de distorção da realidade a partir do uso de tecnologias.