Novo livro repensa criticamente os potenciais e as funções da tecnologia e da Inteligência Artificial

Publicação é resultado do evento internacional Afetando Tecnologias, Maquinando Inteligências, realizado no Instituto de Estudos Avançados (IEA USP) e no Grupo de Arte e Inteligência Artificial (GAIA) da Universidade de São Paulo, onde pesquisadores, artistas e ativistas se reuniram para discutir tecnologia para além do Norte Global. Um lançamento online, com presença dos autores, acontecerá no dia 5 de Abril, 14:00 (São Paulo) pelo Zoom.

Em fevereiro de 2020, um mês antes do início da pandemia no Brasil, um grupo de cerca de 40 pesquisadores, artistas e ativistas se encontraram durante três dias de conferências, workshops e muito trabalho coletivo na conferência internacional Afetando Tecnologias, Maquinando Inteligências, realizada pelo Center for Arts, Design and Social Research (CAD+SR) no Instituto de Estudos Avançados (IEA) e no Grupo de Arte e Inteligência Artificial (GAIA), ambos na Universidade de São Paulo. Agora, com lançamento on-line previsto para 22 de Março de 2021, as ações e reflexões deste grupo diverso se tornaram uma publicação impressa e on-line, com projeto gráfico assinado pela designer Flávia Castanheira e webdesigner Astronauta Mecânico.

Afetando Tecnologias, Maquinando Inteligências conta com textos e exercícios experimentais realizados por cerca de 20 pesquisadores, todos autores de pesquisas e práticas críticas sobre tecnologia e Inteligência Artificial a partir de perspectivas do Sul Global, feminista, decolonial, ou antirracista. 

Como apontam os organizadores do livro, Afetando Tecnologias, Maquinando Inteligências foi pensado para ser, concomitantemente, um registro histórico de um poderoso encontro entre pesquisadores internacionais que pensam o campo tecnológico sob um ponto de vista crítico; e um material em português e em inglês que supra parte da falta de bibliografia sobre o tema para além do discurso hegemônico do Norte Global. “Muitos projetos e mudanças estão ocorrendo no campo da tecnologia e da IA em lugares como Brasil, América Latina e o continente Africano. Muitas vezes, por questões estruturais, essas pesquisas nem sempre são distribuídas para além de suas comunidades. Este livro quer ajudar a diminuir essa ausência, e criar pontes”, explica um dos organizadores, o pesquisador de mídias digitais Gabriel Pereira.

A primeira parte do livro (Imaginários e Contracorrentes) preocupa-se em desvendar os clichês por trás dos sistemas computacionais contemporâneos. Para isso, traz investigações de Katherine Ye (Carnegie Mellon University) sobre novas contraculturas computacionais ao desconstruir uma frase vinda do Vale do Silício. Na mesma seção inicial estão também as experiências de projetos colaborativos que pensam criticamente sobre o potencial da técnica e da pedagogia nos dias de hoje conduzidos por Dalida María Benfield (CAD+SR); a proposta necessária de Sabelo Mhlambi (Berkman-Klein Center and Carr Center for Human Rights, Universidade de Harvard) de superar a noção ocidental restritiva de racionalidade a partir do uso de epistemologias e ontologias da África Subsaariana; e uma prévia da pesquisa de Rodrigo Ochigame (MIT) sobre buscadores on-line divergentes que se utiliza de algoritmos alternativos para priorizar perspectivas divergentes, e não apenas aquilo que é mais popular na internet.

A parte 2 da publicação (Algoritmos do Trabalho) concentra pesquisas que evidenciam a relação entre automação mecânica e trabalho humano. Estão nesta seção discussões sobre o projeto on-line Exch w/ Turkers, dos integrantes do GAIA Bruno Moreschi, Guilherme Falcão e Bernardo Fontes, que permitiu conhecer alguns dos trabalhadores que treinam remotamente a Inteligência Artificial a partir da plataforma Amazon Mechanical Turk. Também apresenta um panorama crítico de Rafael Grohmann (Unisinos e DigiLabour) sobre a questão do trabalho no atual contexto interconectado; além de texto de Amanda Jurno (Universidade Federal de Minas Gerais) sobre as mediações humana/jornalística e a algorítmica.

a parte 3 (Imagem e Inteligências) preocupa-se em pensar sobre como as máquinas vêem o mundo. Giselle Beiguelman (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) investiga os deepfakes e os perigos de se construir uma cultura visual a partir da lógica da eugenia e de pouca diversidade. Gabriel Pereira (Universidade de Aarhus) discute o papel da visão computacional no mundo como uma forma de ver-entender, ao mesmo tempo que pensa em alternativas possíveis. Didiana Prata (também da FAU USP) encerra a seção apresentando o Calendário de imagens dissidentes, que cria novas formas de visualizar a política no Brasil a partir de dados das redes sociais.

A última parte (Comunidade e Solidariedade) reúne três pesquisadores que trazem questões essenciais sobre comunidade, solidariedade e pedagogia na produção tecnológica. Para isso, Jennifer Lee (ACLU of Washington) apresenta uma história sobre a tecnologia e o poder nos EUA e, em seguida, discute projetos liderados pela União Americana de Liberdades Civis de Washington que focam na regulamentação de tecnologias pelas comunidades mais afetadas. Em seguida, Taís Oliveira (Universidade Federal do ABC) foca no afro-empreendedorismo no Brasil, propondo possibilidades de criação de novas economias baseadas em solidariedade e identidade. Por fim, Silvana Bahia mostra seu trabalho com o makerspace do Olabi/Preta Lab e os diversos projetos apoiados por esta organização no capítulo intitulado “Por mais diversidade na tecnologia”.

A publicação é também espaço para experiências mais artísticas como um poema de André Lemos transformado pelo uso de um software criado por Katherine Ye; e um texto experimental de Sylvain Souklaye que encerra a publicação ao se utilizar de pedaços das trocas de emails dos organizadores do livro. 

O evento e o livro Afetando Tecnologias, Maquinando Inteligências é um projeto do Center for Arts, Design and Social Research (CAD+SR), que reúne pesquisadores diversos para discutirem e trabalharem criticamente o campo das tecnologias, das artes e do ativismo. Dirigidos por Dalida María Benfield e Christopher Bratton, o CAD+SR baseia-se no princípio de que o trabalho criativo é essencial para todas as culturas humanas e é a base para a construção de sociedades globais sustentáveis e interdependentes. Os programas principais do CAD+SR incluem bolsas e residências para artistas, designers, cientistas, tecnólogos, escritores e pesquisadores. A publicação também teve o apoio do Grupo de Arte e Inteligência Artificial (GAIA), parte integrante do Centro de Inteligência Artificial (C4AI) do Inova USP, que reúne artista, engenheiros, programadores e ativistas em projetos que pensam a tecnologia a partir de uma perspectiva crítica e experimental. Já as apresentações dos pesquisadores tiveram apoio do Instituto de Estudos Avançados da USP.

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