Como maneira de compreender o que se tem pesquisado sobre Afroempreendedorismo no Brasil, integrei em minha dissertação uma revisão sistemática (ou estado da arte) e assim tentar entender: quais áreas de pesquisa tratam do tema; de quais regiões do país são os estudos; em quais níveis acadêmicos estão alocadas as pesquisas; quais metodologias são utilizadas; e quais problemas de pesquisas aparecem nos estudos sobre Afroempreendedorismo.
A busca pelos trabalhos foi realizada nos repositórios Google Acadêmico, Scielo e Capes pelas palavras-chave “afroempreendedorismo”, “afro empreendedorismo”, “empreendedorismo negro”, “afro-empreendedorismo”, “afroempreendedor”, “afro empreendedor”, “empreendedor negro”, “afro-empreendedor” em língua portuguesa a respeito dos trabalhos publicados nos últimos 10 anos (2008 – 2018). Além da língua, os critérios de inclusão trabalhos que continham os termos de busca nas palavras-chave ou no resumo. Não foram encontrados trabalhos nos repositórios Scielo e Capes, porém no Google Acadêmico encontramos 20 trabalhos. Na aplicação do segundo nível de inclusão – estar em língua portuguesa e ter propriamente o tema no desenvolvimento do trabalho – restaram 14 trabalhos.
O ano de 2018 foi o que mais teve publicações sobre o tema: ao todo foram 9. A maioria dos trabalhos são monografias (5), seguido de paper de evento (3), periódicos (2), tese (1), dissertação (1), livro (1) e capítulo de livro (1) e os trabalhos tratam principalmente de economia (5), identidade (4), racismo (4) e epistemologia (1). Sobre metodologias, o memorial descritivo e a etnografia são aos dois métodos mais utilizados, estando em 11 e 7 trabalhos, respectivamente. Já em relação às áreas, antropologia aparece em destaque com 8 trabalhos e administração com 3. Aparecem ainda comunicação, ciências humanas, ciências sociais e sociologia. E por fim, sobre os níveis acadêmicos identificados, temos especialização e mestrado com 3 publicações cada.
Em uma observação qualitativa, vemos algumas características que se sobressaem, como a questão da territorialidade abordada em trabalhos como o de Lima e Benevides (2018) sobre o afroempreendedorismo em Salvador, tendo como ponto de partida os negócios alocados no co-working Ujamaa. As autoras levam em consideração o fato de a cidade ser a maior em quantidade de pessoas negras fora da África, questões históricas e sociais da população negra no Brasil e os benefícios da formação de uma rede de colaboração entre os afroempreendedores.
Já no artigo de França, Dias e Oliveira (2018) os autores buscam expor as dificuldades enfrentadas por empreendedores negros na cidade de Uberaba, Minas Gerais. Sobretudo a partir da concepção do preconceito racial enquanto raiz de uma dificuldade maior para estabelecer e manter os empreendimentos. Os negros empreendedores da região metropolitana do Rio de Janeiro são o foco de pesquisa na dissertação de Santos (2017). O autor busca compreender as influências raciais no empreendedorismo e ressalta a importância de se discutir raça no campo da administração. Como resultados, o pesquisador elenca aspectos da identificação e significado do trabalho por parte dos afroempreendedores.
No trabalho de monografia de Teixeira (2017), o autor analisa os desafios e oportunidades para empreendedores negros no Distrito Federal. Para tanto, o pesquisador aplicou entrevista em profundidade com empreendedores negros acerca da vivência, identidade, discriminação e opiniões a respeito da Feira ‘Coisa de Preto’ e a Lei 5.447/2015, que instituiu o Programa Afroempreendedor do Distrito Federal. Texeira conclui que os empreendedores usam do espaço que alcançaram para afirmar sua identidade racial, com uma representação positiva do negro em seu empreendimento e na geração de empregos e/ou prestação de serviços para outros afrodescendentes.
Outros aspectos aparecem nas pesquisas já publicadas sobre a temática do afroempreendedorismo, como as questões sociais e econômicas abordadas nos trabalhos de Nascimento (2018), que analisa o perfil socioeconômico e cultural para explorar quais as motivações e o sentido atribuído na prática empreendedora da população negra no Brasil, e no artigo de Souza (2015), que discute o papel do BNDES e do SEBRAE no fomento e capacitação do empreendedorismo negro brasileiro. Para tanto, o autor argumenta sobre a impossibilidade de dissociar desenvolvimento econômico da equidade racial. O pesquisador analisa o relatório do SEBRAE “Os donos de negócio no Brasil: análise por raça/cor” e as políticas de investimento do BNDES.
As organizações que tratam de afroempreendedorismo são temas de diversas pesquisas, dentre elas a de Qundondo (2017) pela qual o autor apresenta uma análise do perfil dos afroempreendedores da cidade de Criciúma, em Santa Catarina. Principalmente dos filiados à rede Afroem, identificando ao fim que a maioria dos participantes da rede é do ramo do comércio e que os empreendedores sofrem com recursos financeiros para iniciar ou manter seus empreendimentos. Já na tese de Silva (2016), a autora aborda, a partir do viés antropológico, as imbricações entre política e economia nas relações estabelecidas no evento ‘Feira Preta’. A autora considera em sua análise o contexto social e político do país nos últimos 15 anos, os mecanismos de solidariedade que potencializam a construção de imaginários e espaços, além da ênfase no papel protagonista de mulheres negras na articulação e mobilização estética e política no Brasil contemporâneo.
A Reafro (Rede Brasil Afroempreendedor) é tema de dois trabalhos, o de Silva (2017), em que a autora busca compreender como as atividades empreendedoras da Reafro reforçam a identidade afrodescendente dos seus associados. Além disso, a autora busca: elencar as atividades empreendedoras propostas pela Reafro e Reafro do Rio Grande do Sul; identificar os motivos que levaram os empreendedores a se associarem à Reafro/RS; identificar a presença do tema da identidade afrodescendente no material institucional e no discurso da rede; e compreender a relação dos associados com o tema da identidade afrodescendente.
Já na monografia de Simão (2017), o autor discute o perfil dos Afroempreendedores da Reafro também no Rio Grande do Sul e os impactos do pertencimento à rede para os negócios. O pesquisador identificou, como parte dos resultados, que as mulheres negras são maioria na rede, grande parte são microempreendedoras individuais e prestam serviços. Além disso, o autor constata que o pertencimento à rede Reafro trouxe benefícios para a maioria dos entrevistados em seu trabalho.
Já os trabalhos de Oliveira (2018a; 2018b) fazem uma aproximação da teoria da economia étnica e o afroempreendedorismo a partir da análise de redes sociais com páginas de grupos e associações relacionados ao tema, e a partir da página no Facebook da Feira Cultural Preta.
Por fim, encontramos o livro “O Empresário Negro – Trajetórias de sucesso em busca de afirmação social”, de José Aparecido Monteiro, publicado somente em 2001 e com segunda edição em 2017, mas que reúne história de empreendedores negros do final da década de 80. O livro conta a trajetória da pesquisa realizada pelo autor, que entrevistou pequenos empresários negros em torno de temas relacionados ao empreendedorismo negro como ferramenta de desenvolvimento econômico e humano. O autor ressalta em seu trabalho a necessidade de organizar coletivamente ações para a promoção do grupo enquanto comunidade historicamente discriminada.
Portanto, observamos uma forte demarcação territorial nos trabalhos analisados, além de estudos que têm como ponto de partida a atuação de grupos ou associações, como os trabalhos que analisam a Reafro, Afroem e Feira Preta. Além disso, vemos que grande parte dos trabalhos foi publicada muito recentemente (entre os últimos dois anos), fato que demonstra a crescente observação e importância do tema. Não há, além dos trabalhos originados desta própria pesquisa, outros que se relacionam à teoria da economia étnica, tampouco com viés da tecnologia e internet.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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