10 lives sobre relações étnico-raciais para rever

Em decorrência do distanciamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, 2020 foi o ano das lives. A ferramenta se tornou uma grande aliada da divulgação científica, popularização de debates e expansão de alcance territorial. Algumas dessas lives foram verdadeiras aulas e vou listar aqui as lives sobre relações étnico-raciais que merecem ser revistas.

1: Ciclo de debates “Racismo e Antirracismo na atualidade”

Não se trata de uma única live, mas de uma série de bate-papos em torno da temática racismo e antirracismo organizado pelo NEAB/UFABC (Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros). Foram oito encontros sobre:

2: Nas #JornadasAntirracistas da Companhia das Letras a live Feminismos negros, com Sueli Carneiro, Bianca Santana, Djamila Ribeiro e Flávia Oliveira

3: Nas #JornadasAntirracistas da Companhia das Letras a live Racismo estrutural e institucional com Cida Bento, Silvio Almeida, Jurema Werneck e Ronilso Pacheco

4: A live de abertura do Semestre Letivo Suplementar dos programas de pós-graduação Pós-Cultura (IHAC/UFBA) e Pós-História Profissional (CAHL/UFRB) com Ailton Krenak e Mateus Aleluia.

5: Audino Vilão e Emicida conversando sobre Filosofias das ruas

6: André Brock na live On Race and Technoculture do Data & Society Research Institute

7: Live da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros) sobre Intelectualidade Negra e Antirracista & NEAB(I)s.

8: Live Tecnologia, Raça e Gênero do Núcleo de Solidariedade Tecnica – SOLTEC/UFRJ com Tarcízio Silva e Sil Bahia.

9: Lançamento do livro A razão Africana com Muryatan S. Barbosa, Acácio Almeida e Flávia Rios.

10: Aula aberta na Casa 1 sobre Racismo e Algoritmos com Nina da Hora

Paul Gilroy: uma reflexão sobre “direita alternativa” e política antirracista

Paul Gilroy  — londrino, professor de sociologia, teoria social, economia e estudos afro-americanos, autor do clássico Atlântico Negro e teórico sobre os temas de diáspora, modernidade e luta antirracista — publicou artigo intitulado Civilizacionismo, a “alt-right” e o futuro da política antirracista: um informe da Grã-Bretanha no Dossiê Racismo da Revista Eco Pós da UFRJ, em 2018.

Paul Gilroy

Li o artigo recentemente, por indicação da colega Juliana Serzedello Crespim Lopes, e vou compartilhar uma breve resenha e comentários sobre o texto que, para mim, apresenta uma antecipada e provocativa reflexão ao caos que vivenciamos atualmente.

Civilizacionismo, a “alt-right” e o futuro da política antirracista: um informe da Grã-Bretanha

O artigo se propõe a discutir a ascensão da “direita alternativa” ou “alt-right”, termo elaborado por seu próprios praticantes, a partir de uma análise sobre como as tecnologias reformularam o fascismo e o racismo, sobretudo em relação às estruturas políticas de comunicação baseadas em algoritmos e propagação de fake news. Para o autor, a revolução tecnológica oferece um novo significado para a política e parapolítica o que exige novas formas de se relacionar entre partidos, movimentos e mobilizações.

Gilroy inicia relembrando a virada discursiva da questão racial de biológica para cultural, sobretudo quando este modo de análise tornou-se suporte estratégico para grupos ultranacionalistas e neofascistas. Aqui no Brasil, especificamente, podemos falar do movimento eugenista em que pessoas consideradas da “elite intelectual” acreditavam por uma suposta ciência em uma “nação do futuro” onde não-brancos eram excluídos por não terem determinadas “qualidades”. Dentre essa “elite intelectual” estavam nomes como Monteiro Lobato e o proprietário do jornal O Estado de SP, Julio de Mesquita. Na fronteira do contemporâneo, discutir essas questões, para o autor, representa sintomas da morte da esquerda organizada. É preciso encontrar abordagens capazes de repensar o global e o local sem recorrer a concepções deterministas entre gênero, raça, sexualidade e classe.

Por um lado há quem afirme categoricamente que racismo não existe, por outro, como afirma Gilroy, nossa relação com o racismo e hierarquias raciais foi alterada diante da economia da atenção. Há, portanto, novos problemas, como o “juri da internet”; disseminação de comentários racistas; o anonimato que desvela a pior essência do ser humano; e o que o autor chama de crowdsourcing multinacional da supremacia branca. Para o autor, algumas dessas forças racistas e fascistas contam com o reforço de trolls russas, inteligência artificial e robôs que agem sem uma jurisprudência e legislação.

Dessa forma, a mediação computacional foi o grande motivo da repaginação do fascismo genérico, segundo Gilroy. Para o autor essa repaginação é responsável por um postura em que os neorreacionários e os antigos neonazistas, os supremacistas brancos e os antissemitas agora não se veem mais como o mal radical, mas como se suas ideias fossem realmente ousadas, transgressoras, cômicas, irônicas e futuristas. E além do absurdo de acreditarem nesses fatores como elementos positivos, isso tudo ocorre com o amparo do argumento da liberdade de expressão.

O agrupamento é tecnologicamente sofisticado e tem um domínio desconcertante de comunicação política e psicológica, por meio dos aspectos libidinais e afetivos das novas tecnologia, em geral, e das mídias sociais, em particular. (p. 22)

Para o autor esse agrupamento tem alcance não somente pela distribuição de informações, mas também pela conquista e monopolização da atenção. O que ele chama de “economia da atenção” caracterizada por declarações chocantes, provocativas que tornam irrelevantes o conteúdo que seria realmente o foco. A título de exemplo, basta nos recordar da coletiva sobre a demissão de Sérgio Moro no qual o senhor eleito presidente explanou por 40 minutos absurdos aleatórios e por três minutos o comunicado oficial.

Parte do artigo Civilizacionismo, a “alt-right” e o futuro da política antirracista: um informe da Grã-Bretanha

Ao apresentar essas questões, Paul Gilroy indaga: como a sociedade, principalmente os acadêmicos e atores políticos vão avaliar e comunicar suas ponderações; como ir além de análises que tomam somente o ambiente online como campo de estudo; compreender o papel da ética-política; e entender e principalmente agir em relação as novas ecologias midiáticas contemporâneas. Para tanto, o autor afirma de forma enfática: a batalha contra o racismo na ética, na epistemologia e na ontologia política é de preocupação fundamental. (p. 32). Sugere, portanto, que não haverá solução efetiva se esta não passar por profundas e constantes reflexões em torno das questões raciais.

O autor clama por um luta antirracista que ressurja e molde um humanismo cauteloso e pós-humanista que seja capaz também de compreender as relações multi-espécies entre humano e não-humanos.

Assim, no espírito do necessário reencantamento do humanismo, vamos buscar uma perspectiva diferente sobre as provações da cultura e da civilização do que as perspectivas atualmente fornecidas a nós por Farage, Wilders, LePen, Petry, Bol*onar*, Halla-aho, Pegida e sua laia. Nós temos que ser fortes o suficiente agora para perguntar o que a aceitação de seus racismos revela sobre até que ponto nossa própria civilização comum tem sido capaz de se sustentar e manter. Se fugirmos dessa obrigação, seremos condenados a uma escolha vazia entre diferentes variedades de barbárie. (p. 33)

Vale ressaltar que esse artigo foi publicado em 2018, hoje, 03 de maio de 2020, se já não nos bastasse a falha de termos como presidente o integrante principal da familícia Bolsonaro, o senhor eleito disse em uma manifestação contra-democracia que “É uma manifestação espontânea, em defesa da democracia, para governar sem interferência para trabalhar pelo futuro do Brasil. (…) Não vamos admitir mais interferências” em outra ocasião bradou “Eu sou a constituição”. O que mais estamos aguardando depois de tanta consolidação fascista? Até quando lutaremos com notas de repúdio? Onde estão as instituições pró-democracia?

O texto, apesar de relativamente curto, aborda outras questões que podem ser aprofundadas por diversas perspectivas. Deixo alguns tópicos para ilustração:

  • Como indicação extra, Paul Gilroy sugere a leitura dos livros do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han;
  • Paul faz uma critica certeira sobre como a racialidade comunicativa está comprimida no espaço mínimo de hashtags, tweets, memes, likes e follows;
  • Há também uma crítica sobre a “gestão da diversidade” adotada por grandes corporações. Para o autor isso representa uma face da revolução neoliberal que impacta diretamente na luta antirracista em conflito com uma suposta negritude neoliberal;
  • Dentre outros temas, Gilroy fala do uso abusivo de remédios antidepressivos e ação de uma teologia neoliberal que oferece falsas esperanças.