Planejamento e Diversidade na Comunicação Digital

Planejamento e comunicação digital é um tema bastante recorrente aqui no Versátil RP (ver sugestões no final do post), porém o “algo a mais” da vez é o pedido da Esamc em abordar na apresentação para a Semana de Comunicação um tópico sobre o tão aclamado e polêmico tema diversidade na comunicação. A gente já tem alguns conteúdos que versam sobre isso (links no final também), mas acho necessário dessa vez optar por uma nova provocação.

Vamos conceituar os termos. Em RP é bem comum encontrar uma conceituação e processo de planejamento da Professora Margarida Kunsch na bíblia Planejamento Estratégico de Relações Públicas na Comunicação Integrada, para ela “o planejamento constitui um processo complexo e abrangente. Possui dimensões e caraterísticas próprias, implica uma filosofia e políticas definidas e é direcionado por princípios gerais e específicos. Não é algo solto e isolado de contextos”. (KUNSCH, 2003) ). Ou seja, o planejamento estratégico de comunicação é uma pesquisa profunda e esquematizada sobre uma marca, empresa, personalidade ou instituição. É colocar no papel todo o conteúdo aprendido, e isso significa ir além do âmbito do qual irá desenvolver um trabalho. Por exemplo, o foco é em digital, mas é de suma importância saber como funciona o atendimento no balcão da loja física, ou saber como ocorrem os processos de comunicação interna.

O processo de planejamento de comunicação em si não costuma ter grandes variações, em geral há uma base que é adaptada a um campo mais específico. As fases citadas na bíblia são informações imprescindíveis para o entendimento de uma marca, empresa, personalidade ou instituição, são elas: estudar seu histórico, seus princípios organizacionais, os públicos (e aqui vale ressaltar a teoria, mapeamento e classificação de Públicos do Professor Fabio França), comunicação (Kunsch divide a comunicação em quatro grupos: a administrativa, a institucional, a mercadológica e a interna), macro e microambiente, análise dos concorrentes, análise SWOT, elaboração de pesquisa ou análise de dados secundários e por fim o diagnóstico, que como o próprio nome indica é a conclusão de tudo o que foi estudado até então, ressaltando o que é necessário melhorar ou implementar.

Após essa primeira etapa elabora-se o plano, o projeto e o programa sempre alinhados com as sugestões levantadas no diagnóstico, indica-se ainda os métodos de avaliação de cada ação e o investimento necessário. Para entender essa divisão das sugestões de ações de comunicação – plano, projeto e programa – podemos fazer um paralelo com os níveis de planejamento – estratégico, tático e operacional.

  • Estratégico: é o nível responsável pelas decisões que envolvem todos os aspectos da organização. O pensamento é a longo prazo. A construção de cenários deve ser minuciosa, pois as escolhas do presente farão diferença no futuro. (plano)
  • Tático: é o nível responsável por decisões mais restritas. O pensamento é a curto prazo e diz respeito às ações imediatas. De acordo com os recursos disponíveis faz a integração entre a estratégia e a operação. (projeto)
  • Operacional: é o nível responsável pela metodologia e pelas pequenas ações que juntas compõe a estratégia. É a principal fonte de resposta sobre a eficiência e manutenção do planejamento estratégico. Suas atividades são baseadas no dia a dia da organização. (programa) [planejamento estratégico para leigos]

Esse é o processo base do planejamento amplo de comunicação (claro que existem outras formas), mas quando falamos de comunicação digital afunilamos os canais, públicos e ferramentas para a internet. Eu, particularmente, coloco foco máximo na produção de conteúdo próprio e relacionado à marca. Ou seja, um site funcional como hub central em sintonia com o blog, mídias sociais e newsletter atualizadas constantemente e seguindo uma lógica alinhada aos objetivos identificados no planejamento são as premissas principais.

A partir de então é necessário definir o tom de voz da marca (será engraçada, séria, adulta, infantil, feminina, masculina?), os canais (todas as mídias sócias ou algumas? com blog ou sem blog?), os tipos de conteúdo (imagem, texto, vídeo), os temas relacionados com o negócio da marca, a frequência de conteúdo (todos os dias? horários específicos? quais datas sazonais são interessantes?), cuidados ou restrições (a marca vai abordar política, futebol e religião, por exemplo?), um plano de prevenção e gestão de crise, ferramentas, equipe, mapeamento de influenciadores e métodos de avaliação específicos.

É interessante observar, sobretudo ao que se refere à equipe, que é humanamente impossível ser muito bom em todas as funções. Logo, se houver verba para tanto é sempre bom pensar em no mínimo um redator, um designer, um atendimento (SAC) e um profissional de análise de dados.

Sobre a gestão no dia a dia, utilizo uma planilha para organizar minha demanda nas mídias sociais, blog, disparo de newsletter, investimentos AdWords, Facebook Ads e freelas, palavras-chaves usadas em mídia, hashtags do Instagram e URLs encurtadas pelo Bit.ly. Especifico data, dia da semana, horário, categoria de conteúdo e detalhamento se for data sazonal. Defino a legenda e em quais canais será publicado o conteúdo. O modelo dessa planilha pode ser visualizado aqui.

diversidade

Bom, lembra dos níveis de planejamento estratégico, tático e operacional? Digamos que é no nível estratégico que as decisões são tomadas e repassadas para os níveis seguintes gerando impacto em todo os processos da comunicação.  Então, podemos afirmar que o assunto “diversidade” entra no nível estratégico. Certo, mas o que é inserir diversidade na comunicação? 

Diversidade na comunicação – um paradoxo

A diversidade é, a princípio, uma pauta sociopolítica. Advém da luta de grupos de “minorias” (aspas pois literalmente os negros são mais de 50% da população brasileira, por exemplo) por promoção de igualdade de oportunidades entre todos. Do meu ponto de vista, em comunicação nós podemos inclinar esse debate para dois pontos: o primeiro em relação ao mercado de trabalho e o segundo em relação às nossas entregas.

No mercado de trabalho acontece e não é de hoje, que essa pauta tem sido bastante incorporada por empresas, os projetos de diversidade em relação ao quadro de funcionários, salários igualitários e cargos de decisão já são comuns no mercado brasileiro (não que eles sejam plenamente amplos e eficazes, mas existem). Seria uma atitude por parte das empresas frente à pressão da sociedade civil, uma estratégia de marketing ou uma forma de promover igualdade de oportunidade? Sinceramente, acho pouco provável que as empresas queiram participar tão ativamente das pautas sociais, fico com as duas primeiras hipóteses.

No artigo de Pedro Jaime de Coelho Jr no e-book Comunicação, Interculturalidade e Organizações: faces e dimensões da contemporaneidade sobre diversidade nas organizações ele relembra o argumento dos sociólogos Luc Boltanski e Eve Chiapello no livro O novo espírito do capitalismo, para eles:

“O capitalismo assimila as críticas que lhe são feitas, sem colocar em perigo sua lógica de acumulação. Segundo eles, a crítica é na verdade a própria força motriz da evolução do capitalismo, isto porque esse sistema revelou-se capaz de formular, em diferentes contextos, esquemas de justificação que, ao integrar certas críticas e responder a certas reivindicações, garantem a sua legitimidade”. (página 80)

Ou seja, desenvolver políticas de diversidade nas organizações nada mais é, analisando de forma empírica, claro, uma maneira de equilibrar reivindicações que se não fossem atendidas gerariam um prejuízo de imagem institucional. Para tanto cria-se um novo departamento responsável por essa demanda, o que Pedro chama de “gestão da diversidade”. O autor argumenta em seu artigo a partir de uma ocasião entre o movimento negro e os bancos do Distrito Federal e para compreender os fatos entrevista algumas pessoas, dentre elas há a afirmação:

“As empresas não podem reconhecer que sua conduta é ilegal. Jamais vão admitir que suas práticas gerenciais são marcadas pelo racismo. Então falam em valorização da diversidade. É a maneira que encontraram de se colocar neste terreno a partir de uma postura positiva”. (página 79)

O paradoxo da diversidade nas organizações, do meu ponto de vista (o de estar em uma profissão em que pensar a diversidade como “estratégia” é uma demanda prioritária e ao mesmo tempo pertencer aos grupos considerados “minoria”) é não concordar com projetos de diversidade nas organizações como vantagem competitiva. Em determinadas ocasiões percebo o ato como uma mera ferramenta na obtenção de lucro (ou de valor simbólico), como se fosse a modernização da exploração exercida há anos contra a população negra.

Por outro lado, vejo os projetos de diversidade como o processo inicial de uma mudança gradual, tendo como projeção um futuro com pessoas de grupos minoritários com mais oportunidades, salários igualitários e cargos de decisão – decidindo por contratar mais dos seus iguais sem a necessidade de optar por isso como uma estratégia de marketing ou por uma resposta à pressão da sociedade civil. Utópico? Talvez, mas possível.

Aliás, esse é um dos argumentos apresentados por Pedro Jaime ao citar Taylor Cox, Stacy Blake, David Tomas e Robin Elay – os primeiros pensadores a publicar textos sobre gestão da diversidade nos EUA na década de 90 – para eles a diversidade nas organizações melhora o desempenho, atrai talentos de grupos diferentes, diversifica repertórios culturais, proporciona criatividade e inovação ao ambiente. E claro, o retorno positivo de imagem ao agregar o valor simbólico de uma organização inclusiva, que no fim gera lucro de alguma forma.

O segundo ponto para pensarmos diversidade dentro da comunicação, considerando que a demanda estratégica ou por pressão social existe e nós precisamos lidar com isso, é repensar as nossas entregas. Já que estamos falando aqui especificamente do planejamento na comunicação digital, podemos destacar algumas tarefas  de implementação, tais como: contratação de profissionais dos grupos de diversidade, fazer um cronograma de datas específicas (dia da mulher, consciência negra ou dia da visibilidade lgbt, por exemplo) e dar a oportunidade para que as pessoas desses grupos sejam protagonistas (e por favor, nada de ação clichê), nas criações de peças prezar pela diversidade estética, dar espaço e ouvir pessoas que pertencem e/ou já estudam sobre esses grupos (seja humilde para assumir as pautas que você não domina), tentar acompanhar blogs, páginas, perfis e canais que abordam temas sobre diversidade, antes de colocar uma ação no ar se perguntar “será que vou ofender alguém?” e por fim, porém não menos importante, tire o “mimimi” do seu vocabulário.

Às vezes é melhor não fazer nada do que entrar no hype da empresa moderninha só para gerar buzz e fazer feio. Se a organização não tem política de diversidade, não planejou com antecedência, não pesquisou, não estabeleceu conversas com quem pertence a grupos de diversidade: não faça nada! Apenas fique de boas.

Vou repostar uma lista de referências que citei em outra ocasião sobre o mesmo tema que considero ainda muito atual e necessária:

  • decreto da Secretaria de Comunicação do Governo Federal que diz “as ações publicitárias do Poder Executivo Federal, de que trata o inciso do art. 2º. do Decreto nº 3.296/99, deverão contemplar a diversidade racial brasileira sempre que houver o uso de imagens de pessoas”;
  • Lista com 15 empresas que possuem projetos de diversidade e inclusão;
  • Estudo sobre a diversidade sexual e de gênero nas organizações;
  • A iniciativa 65/10 que questiona a falta de mulheres nas áreas de criação das agências de publicidade (e, consequentemente, a publicidade machista);
  • Levantamento sobre a presença de negros nas agências de publicidade;
  • Esse debate super interessante sobre o tema ‘empatia’;
  • Instituto Ethos que mobiliza empresas  para a implementação de políticas de responsabilidade social.

Bom, diversidade é um assunto muito instigador de ler e pesquisar, é inesgotável, é problematizador em vários níveis, então espero poder continuar essas reflexões além dos eventos, ampliar os horizontes e receber contribuições também.

Apresentação utilizada no evento:

* Material produzido para a Semana de Comunicação da Esamc, Santos/SP, 2016 e publicado primeiro no Versatil RP.

Referências: 

KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. Summus editorial, 2003.

Sugestão de leitura no VRP e outros blogs: 

Planejamento estratégico para leigos

Indicação de leitura: A cultura da convergência

Indicação de leitura: Curadoria digital e o campo da comunicação

Indicação de leitura: Relações Públicas, mercado e redes sociais

Relações Públicas em tempos de mídias sociais – o que muda?

Planejamento editorial em mídias sociais

Mídias sociais: afinidades, habilidades e o mercado

Interatividade e convergência das mídias sociais frente ao papel do novo RP

O relações-públicas na área de comunicação digital

Quem vai assumir a gestão da comunicação digital nas empresas?

Mídias sociais e filosofia

Gatekeeper e conteúdo na web /mídias sociais

Mídias sociais para empresas B2B. Realidade?

Plataformas de gestão de mídias sociais

Inteligência digital, monitoramento e métricas

E-book Comunicação, Interculturalidade e Organizações: faces e dimensões da contemporaneidade.

Mulheres na Publicidade: a diversidade de sentidos em anúncios de TV.

Entender a história, refletir no presente e planejar o futuro

Dia Internacional da Igualdade Feminina

Mulheres da comunicação e das relações públicas

Série ‘EnegreceR[P]’ para o novembro negro

Série do Dia Internacional do Orgulho LGBT aquiaqui aqui

Comitê de Diversidade Aberje

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