Publicado primeiramente em Bitniks.
Nos últimos anos tem se popularizado eventos, disciplinas, cursos e publicações na área da tecnologia que evocam as “perspectivas do Sul Global” baseados em promessas de um olhar decolonial (ou descolonial ou pós-colonial), porém quase sempre são as mesmas referências, os mesmos nomes e as mesmas perspectivas hegemônicas de sempre.
Inclusive a própria falta de consenso e o infinito debate em relação ao conceito e aplicação dos termos “decolonial”, “descolonial” ou “pós-colonial” denuncia a falta de foco no que realmente importa. Invés de horas a fio debatendo o conceito, que tal questionar as práticas acadêmicas que seguem eurocentradas, machistas, elitistas e fincadas no sistema da branquitude?
Quando há uma singela demonstração de interseccionalidade nos eventos, disciplinas, cursos e publicações ainda prevalece a política do “único representante”. A única pessoa não-branca, a única mulher, a única pessoa LGBTQI+ e assim por diante. A homogeneização de grupos tão plurais é tão violenta quanto seu apagamento.
Permanecer com os mesmos olhares e pontos de vista em situações que provocam a reflexão sobre novos modos de sociedade leva à reflexão sobre a necessidade de questionar os representantes de sempre, pois foram esses olhares que nos trouxeram até aqui e até as nossas problemáticas contemporâneas.
A ciência e o conhecimento oriundo do continente africano quase nunca são lembrados nestas atividades do “Sul Global” que se pretendem decoloniais. Deste modo, aproveito a celebração do Dia da África (25/5) – data para recordar a luta por independência de países africanos – e este espaço para apresentar (ou relembrar) alguns pesquisadores da Ciência, Sociedade & Tecnologia que tem feito importantes contribuições para debates atuais.
Abeba Birhane (Étiópia): É doutoranda em ciências cognitivas no Complex Software Lab da University College Dublin na School of Computer Science. Sua pesquisa perpassa as relações entre tecnologias emergentes e os impactos sociais, políticos e econômicos na sociedade. Abeba também dá aulas sobre Pensamento Crítico e Ética em Dados, Inteligência Artificial para ciência de dados, Introdução à Ética e Pensamento Crítico. Entre suas principais publicações está o artigo Algorithmic colonization of Africa.
Artwell Nhemachena (Namíbia): É Doutor em Antropologia Social atua em áreas como Estudos Sociológicos e Antropológicos de Ciência e Tecnologia, Governança e Democracia, Transformações e Decoloniedades, entre outros. No livro Decolonising Science, Technology, Engineering and Mathematics (STEM) in an Age of Technocolonialism: Recentring African Indigenous Knowledge and Belief Systems do qual o professor é co-organizador, discute-se as noções de colonialidade da ignorância e geopolítica da ignorância como central para a colonialidade e colonização.
Ayodele James Akinola (Nigéria): Pesquisa, principalmente, em torno das Humanidades Digitais e a aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação para fins educacionais. No artigo Pragmatics of crisis-motivated humour in computer mediated platforms in Nigeria discute como o humor é mediado pela tecnologia e os impactos em aspectos sociopolíticos na Nigéria.
Edda Tandi Lwoga (Tanzania): É Professora Associada em Ciência da Informação no College of Business Education (CBE) na Tanzânia. Ela também é o Ponto Focal do País (CFP) do Acesso Digital à Pesquisa – Banco de Tecnologia das Nações Unidas na Tanzânia. Suas pesquisas têm como foco sistemas de informação, gestão do conhecimento, acesso aberto e dados abertos, TIC para o desenvolvimento, TIC e empoderamento de jovens e mulheres, ciência da informação e e-learning. Entre seus artigos mais citados está o New technologies for teaching and learning: Challenges for higher learning institutions in developing countries.
Francis B. Nyamnjoh (Camarões): Nascido em Camarões, atualmente é Professor nas áreas de sociologia, antropologia e estudos de comunicação da University of Cape Town. Suas pesquisas tratam de temas como globalização, mídia, identidade, mobilidade e uma de suas principais obras é o livro #RhodesMustFall: Nibbling at resilient colonialism in South Africa que discute problemas sociais existentes na África do Sul pós-apartheid e tem como base de análise o movimento Rhodes Must Fall liderado por jovens universitários.
Gado Alzouma (Nigéria): Professor de Sociologia e Antropologia na American University da Nigéria. Suas pesquisas são focadas em informação, comunicação e tecnologia para o desenvolvimento social. Em seu artigo Myths of Digital Technology in Africa: Leapfrogging Development? analisa criticamente as promessas de uma sociedadde tecnocentrista em torno do contexto social da África.
Rediet Abebe (Etiópia): É cientista da computação, atua especialmente com algoritmos e inteligência artificial e seus impactos sociais e raciais. Atualmente é Junior Fellow na Harvard Society of Fellows e Professora Assistente em Ciência da Computação na University of California. É co-organizadora do Mechanism Design for Social Good e co-fondudadora do Black in AI. Um dos seus artigos mais citados é o Using search queries to understand health information needs in africa.
Sabelo J Ndlovu-Gatsheni (Zimbabwe): Professor especialista em Epistemologias do Sul Global com ênfase em África na University of Bayreuth, na Alemanha. Sabelo é um importante teórico descolonial com diversas publicações, dentre as quais The primacy of knowledge in the making of shifting modern global imaginaries, Coloniality of power in postcolonial Africa: Myths of Decolonization, The decolonial Mandela: Peace, justice and the politics of life, entre outros.
Sarah Chiumbu (África do Sul): Professora associada na Escola de Comunicação da Universidade de Joanesburgo, seus estudos são focados em mídia, democracia e cidadania, novas mídias, estudos de políticas, movimentos sociais, pensamento político africano, teorias descoloniais e pós-coloniais. Seu artigo mais referenciado, o Exploring mobile phone practices in social movements in South Africa–the Western Cape Anti-Eviction Campaign, trata do conjunto de novas práticas dos movimentos sociais a partir da popularização dos aparelhos celulares na África do Sul.
Tanja Bosch (África do Sul): Professora Associada de Estudos e Produção de Mídia na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul. Recentemente publicou o livro Social Media and Everyday Life in South Africa onde investiga como as plataformas de mídias sociais e demais tecnologias se tornaram ferramentas cotidianas para os sul africanos.
A diversidade nas visões de mundo, a troca de experiências a partir de contextos similares, o conhecimento de referências para além do cânone padrão só tendem a agregar no urgente debate sobre Ciência, Sociedade & Tecnologia. Então, que façamos uso estratégico desta poderosa ferramenta que nos conecta. E viva à África.