EnegreceR[P] – Precisamos falar do público negro

Desde 2008, quando iniciei a graduação, e mais especificamente em 2009, quando decidimos ter um blog sobre relações públicas, nunca vi nenhuma ação, debate ou evento no Novembro Negro ou em qualquer outro período do ano que abordasse a questão dos profissionais e estudantes negros das relações públicas (se tiver algum que passou batido, me avisem, por favor). Pela primeira vez, em seis anos de Versátil RP, vamos enegrecer esse espaço.

As motivações são muitas, a começar pela minha úlcera que ataca cada vez que leio ou vejo os colegas definindo apontamentos racistas como “mimimi” e “vitimismo”. Sempre me pergunto qual a utilidade dos dois anos de base humanística da Comunicação Social para um “profissional” ter uma concepção tão simplória de uma questão profunda e estrutural. Além dessa motivação, em 2014 um colega RP me chamou inbox no Facebook para contar uma situação racista que ele tinha passado e isso me fez repensar muitas situações. Outro ponto este ano participei de um processo seletivo em uma empresa X, nos dias que estive lá fiz o famoso “teste do pescoço” e não vi um negro nos departamentos administrativos e de comunicação, além de eu ser a única negra participando da seleção e, mesmo com todos os pré-requisitos, não fui sequer notificada sobre o fim do processo seletivo (concluam vocês).

Juntando tudo isso, íamos aplicar uma pesquisa para mapear e entender esse público – os profissionais e estudantes negros das relações públicas. Porém, seria algo complexo e que não estávamos totalmente preparados por se tratar de um nicho muito específico, além do nosso cronograma estar bem cheio. Logo, optamos por propor essa provocação ao mercado, aos colegas, às entidades de classe e às universidades no mês da consciência negra, e quem sabe no próximo ano podemos até pensar juntos ações para abordar essa temática?

O teste do pescoço

Desde quando aprendi a técnica do “teste do pescoço”, uso em todos os lugares, sem restrição. Para quem não conhece, funciona assim: você está na sua cadeira universitária, por exemplo, então vire seu pescoço para a esquerda e depois para a direita e conte quantos negros estão partilhando do mesmo espaço que o seu e em qual posição. Quantos negros estão ao seu lado na universidade? E na empresa ou na agência que você trabalha? Quantos negros estão palestrando nos eventos de comunicação? Quantos negros professores? Quantos chefes de equipe são negros?

Apesar da realidade bater na nossa cara diariamente, a série de entrevistas e textos terá como base duas pesquisas: uma que trata do negro no mercado de trabalho e outra sobre o negro nas universidades, além da vivência dos convidados – até porque só trabalhamos com fatos e não com especulações.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 2010, 50,7% da população do país se autodeclarou negra, preta ou parda. Noutras palavras, o Brasil é o segundo país com maior população negra, atrás apenas da Nigéria. Com base nestes números e na pesquisa Retrato dos Negros no Brasil organizada pela Rede Angola, entre o ano 2000 e 2010 ocorreu um aumento de cerca de 230% de negros nas universidades, todavia, esse número representa muito pouco na visão do todo. A cada 100 formandos, somente 3, ou 2,66%, são negros, pretos ou pardos. E, quando formados, o salário médio não é tratado em “pé de igualdade” para o mesmo posto em relação a não negros. Veja na figura abaixo:

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A pesquisa Os Negros nos Mercados de Trabalho Metropolitanos é realizada pelo Dieese, Fundação Seade e Ministério do Trabalho nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e no Distrito Federal. No último levantamento apresentado (relativo ao biênio 2011-2012), o estudo aponta que, apesar da expansão da oferta de empregos no país, quando se trata de desemprego o número é maior entre negros, sobretudo entre mulheres negras.

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Já em relação à ocupação observa-se uma maior colocação de trabalhadores negros nos setores de construção civil e serviços domésticos, segundo o próprio documento analisado: “onde predominam postos de trabalho com menores exigências de qualificação profissional, menores rendimentos, relações de trabalho mais precárias e, por consequência, menos valorizadas”. Sobre a renda, o estudo apresenta um abismo que até assusta e reafirma a figura acima. A disparidade sequencial entre homens não-negros, mulheres não-negras, homens negros e mulheres negras, do qual a mulher negra tem a média salarial inferior em todas as regiões analisadas, mostra o quão grande é a desigualdade da remuneração média por hora trabalhada.

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Quando se trata de escolaridade, a diferença também é gritante. O estudo apresenta uma análise de grau de escolaridade por setor de atividade, da qual podemos notar poucos negros com Ensino Superior completo e, entre os que tem este grau, a maioria está alocada no setor de serviços. Logo podemos imaginar, a partir desta informação, o cenário de comunicação e relações públicas.

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Todavia, ainda que com o grau de escolaridade equivalente, a renda média entre negros e não-negros permanece desigual, como demonstra o próximo gráfico sobre o setor de serviços. Com base no texto do estudo, “os dados não dão suporte ao argumento de que o aumento da escolaridade para a população negra possa remover os obstáculos à sua mobilidade social. As perspectivas de igualdade racial no país, com o reforço do mito da ‘democracia racial’, têm como desafio melhorar o combate ao preconceito e à discriminação racial. Neste contexto, as políticas afirmativas para a população negra assume papel importante na sociedade brasileira”.

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Ok, mas e eu com isso?

Bom, levando em conta que você jurou (ou vai jurar) diante de Deus (aquele abraço, estado laico) e da sociedade, que fará uso do seu trabalho, conduzirá seus esforços profissionais de acordo com os princípios éticos norteadores da atividade de Relações Públicas, com responsabilidade e respeito humano e dedicará o seu trabalho para o desenvolvimento e o bem estar do povo brasileiro e da humanidade, podemos concluir que, no mínimo, analisar os dados, fazer o “teste do pescoço”, questionar a razão desse cenário e suscitar soluções para melhoria é o que se espera de um profissional de comunicação especializado em se relacionar, estudar públicos e construir estratégias.

Eu evitei spoilers até aqui, mas já li todo o material desta série e percebi que um dos questionamentos mais recorrentes é: relações públicas só serve para gerar lucro? Sim, sabemos e já falamos aqui várias vezes da imensa variedade de setores em que RP pode atuar, mas isso nada tem a ver com uma atividade em si, mas sim com uma mentalidade, sobretudo uma mentalidade responsável de quem pode formar opiniões e ser agente de mudança. A provocação do EnegreceR[P] é fazer com que nossos colegas, professores, estudantes e representantes das entidades de classe se questionem: o que pode ser feito e como eu posso somar?

Bom, pelos próximos dias daremos o devido lugar de fala a estudantes e profissionais negros das relações públicas de vários cantos do país. Espero que os demais profissionais negros da categoria se sintam representados, que a provocação aconteça e que não dependamos de apenas um mês entre doze para ter voz e espaço.

* Artigo publicado no Versátil RP em 2015 para a abertura da série especial do novembro negro. 

Fontes:

Retrato dos negro no Brasil.

Os negros nos mercados de trabalho Metropolitanos aqui aqui.

Juramentos das RP. 


Para ler a série completa acesse aqui.

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