Livro – Introdução ao pensamento complexo

Edgar Morin é parisiense, pesquisador emérito da CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), formado em História, Geografia e Direito e, em meio a resistência nazista, migrou para Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Seu livro Introdução ao Pensamento Complexo é uma obra de 120 páginas dividas em seis capítulos. A leitura é bastante provocativa, sobretudo ao que se refere à organização do pensamento e as consequências da não percepção da complexidade do todo. Para Edgar Morin existe na contemporaneidade do pensamento uma patologia, trata-se da hipersimplificação, o idealismo e dogmatismo que fecham as teorias nelas mesmas e as enrijecem.

Foto: Sesc São Paulo

No primeiro capítulo – A Inteligência Cega, o autor afirma que o pensamento complexo compreende saberes múltiplos como a física, a biologia e a ciência do homem, mas há uma tendência de simplificar esse conhecimento a partir da divisão do conhecimento, segundo Morin “o pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do múltiplo (unital multiplex). Ou ele unifica abstratamente ao anular a diversidade, ou, ao contrário, justapõe a diversidade sem conceber a unidade” (p. 12). Para ele é a inteligência cega que destrói as totalidades e isola os objetos do seu meio ambiente, dessa forma não existe mais reflexão e debate, mas apenas o registro em memórias informacionais manipuladas. E afirma ainda “precisamos compreender que continuamos na era bárbara das ideias. Estamos ainda na pré-história do espírito humano. Só o pensamento complexo nos permitirá civilizar nosso conhecimento” (p. 16).

Morin considera a complexidade como um tecido de “constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas”, é um tecido formado pelas próprias ações, interações, retroações, determinações e acasos que ocorrem no mundo (o que me fez lembrar das teias de significação por Geertz, citação nesse texto). Dada tal complexidade repleta de incertezas o autor afirma que o conhecimento precisa ordenar tais fenômenos e afastar, a medida do possível, as incertezas e desordens. Ou seja, selecionar elementos, precisar, distinguir, classificar, hierarquizar e assim por diante. O autor exemplifica ainda a ideia de complexidade a partir da concepção do homem no universo natural, teoria que pode ser baseada em física, no cristianismo ou humanismo ocidental, linhas de pensamento que podem parecer antagônicas, mas que são inseparáveis, segundo o autor. Em resumo, trata-se de uma busca pela unidade da ciência, mas também de uma teoria de alta complexidade humana.

No decorrer do capítulo o autor ilustra seu pensamento a partir da teoria dos sistemas, para ele “o campo da teoria dos sistemas é muito mais amplo, quase universal, já que num certo sentido toda realidade conhecida, desde o átomo até a galáxia, passando pela molécula, a célula, o organismo e a sociedade, pode ser concebida como sistema, isto é, associação combinatória de elementos diferentes” (p.19). O autor também faz um paralelo com cibernética, organização, sistemas abertos e sistemas fechados para dizer que existe desiquilíbrio nas leis de organização da vida e que a compreensão deve ser buscada também fora do sistema, no meio ambiente. Ou seja, a teoria da evolução só pode ser concebida tendo em mente a importância das interações entre sistema e ecossistema de ordem material/energético e organizacional/informacional.

No que tange à informação, o autor destaca sua concepção conceitual incompleta, ou seja, a informação pode ser vista tanto como memória, saber, mensagem, programa ou matriz organizacional, para Morin informação é um conceito indispensável, porém não concluído e apresenta lacunas e incertezas. Após explanação sobre esses conceitos, o autor retoma a ideia de complexidade afirmando a dificuldade do conceito ser introduzido nas ciências e que para além do caráter quantitativo da complexidade (um grande número de interações e interferências), ela também está relacionada com incertezas, indeterminações e fenômenos aleatórios.

No tópico Scienza Nuova o autor fala do caráter inconcluso da ciência, um esforço para modificar, transformar e enriquecê-la. Tal ciência é baseada numa unidade de saberes, porém não reducionistas, mas capazes de compreender a unidade e a diversidade de cada forma de pensar, como a biologia, física e antropologia se complementam em determinadas ocasiões, uma perspectiva transdisciplinar. Assim a scienza nuova não elimina as alternativas clássica, mas, segundo Morin “tornam-se termos antagônicos, contraditórios, e ao mesmo tempo complementares no seio de uma visão mais ampla, que vai precisar reencontrar e se confrontar com novas alternativas” (p. 53).

No “O paradigma do complexo”, Morin afirma que deve-se buscar a complexidade onde ela parece  ausente, como na vida cotidiana, nos nossos jogos de papeis sociais que são diferentes quando estamos em casa, com amigos, no trabalho ou com desconhecidos (esse trecho me fez lembrar desse texto). Para o autor essa multiplicidade de personalidades e a dificuldade de entender plenamente a nós mesmos mostra que não só a sociedade é complexa, mas também “cada átomo do mundo humano”. Essa complexidade dá margem à ordem e à desordem da vida e da sociedade, dois conceitos antagônicos, porém que necessitam de comunhão para organizar o universo e as relações entre sujeito, autonomia, individualidade, egocentrismo, condições sociais e culturais (linguagem, cultura, saber), complexidade e completude. Os fenômenos se interseccionam na medida que ocorrem, o autor exemplifica com a questão econômica, psicológica e social, das quais são estudadas separadamente, mas no contexto uma influência a outra, com isso Morin afirma “toda visão especializada, parcelada, é pobre. É preciso que ela esteja ligada a outras dimensões, daí a crença de que se pode identificar a complexidade com a completude” (p. 69).

Nos capítulos seguintes “A complexidade e a ação” e “A complexidade e a empresa” o autor fala sobretudo de estratégias e previsão de cenários para a ação em situações inesperadas, para o autor a complexidade é o ponto de partida para uma ação rica diante das diversas frentes de problemáticas.  Por se tratar de processos inseparáveis e interdependentes devemos pensar o individuo, as espécies e a empresa a partir de uma nova estrutura mental, da qual não exista recusa dos problemas. Morin também fala da evolução do trabalho, desde o homem visto apenas como máquina produtiva, depois a atenção ao fator biológico onde adaptam-se as condições de trabalho e mais recentemente surge a atenção ao fator psicológico do homem em relação ao trabalho.

No último capítulo “Epistemologia da complexidade” Edgar Morin aborda temas como ciência, seu desenvolvimento e correlações com a sociedade, psicologia e filosofia, informação e conhecimento, paradigma e ideologia. Sobre o desenvolvimento da ciência, o autor afirma que está se baseia ao mesmo tempo em consenso e conflito, e em quatro aspectos dependentes e interdependentes: a racionalidade, o empirismo, a imaginação e a verificação e conclui dizendo “tudo isso para dizer que o cerne da complexidade é a impossibilidade de homogeneizar e de reduzir, é a questão do unitas multiplex” (p. 107).

Por fim, Morin finaliza com uma reflexão a respeito da razão, dos recomeços da sociedade, da interconexão e intercomunicação das sociedades e das culturas, da era da barbárie das ideias, do não esgotamento da história e da ciência e dos fenômenos sociais diversos, sobre isso Morin afirma “devemos compreender esses fenômenos e não nos espantarmos com eles” (p. 120)

Pós leitura

A partir dessa leitura é possível ter ideias aplicáveis em vários âmbitos da vida e do trabalho, mas destaco dois temas dos quais mais me interesso no momento: a interdisciplinaridade e empresas como parte da complexidade social.

Sobre interdisciplinaridade e o campo da comunicação, isso é algo comum nas grades das instituições de ensino superior ter disciplinas de saberes diversos como sociologia, psicologia, filosofia, história da arte e assim por diante. Também é uma prática comum desenvolver certo aprofundamento em temas dos quais não dominamos anteriormente quando é necessário elaborar um planejamento de comunicação ou conteúdo, por exemplo. E ainda, é possível notar interdisciplinaridade em algumas modalidades mais focadas como em programas de mestrado e doutorado (como os da UFABC ou UFFS). É interessante e alinhado ao que Morin espera do desenvolvimento do pensar a sociedade sob pontos de vistas diferentes, que por vezes se contradizem, mas ao mesmo tempo podem somar de maneira eficaz para a busca de soluções de problemáticas.

O que nos leva a pensar no segundo ponto: empresas como parte da complexidade social. O principal objeto de estudo e prática das relações públicas são os públicos em relação à uma organização, ou seja, a partir do mapeamento o profissional é motivado a pensar além do consumidor final, mas também na comunidade, nos colaboradores, acionistas/sócios, governo, fornecedores e todos os públicos que são ligados direta ou diretamente à organização. Talvez essa prática tenha se desenvolvido a partir do desejo meramente lucrativo ou de evitar conflitos e arranhões de imagem, mas ao meu ver é uma teoria/prática que se assemelha ao que Morin fala sobre a empresa como parte da complexidade social. É prever cenários e pensar a empresa como parte do todo e o impacto de suas ações na sociedade.

Nesse ponto de vista relembro algo que citei nesse texto sobre o paradoxo da diversidade nas organizações. Esse tema é bastante complexo para mim ainda, por mais entusiasta da diversidade que eu seja, pois há um conflito e ao mesmo tempo uma completude entre os diversos saberes e práticas (marketing, sociologia, economia, relações etnos-raciais e de minorias, etc). Trata-se de um debate recente e resultado da evolução na forma de trabalho (diversidade e inclusão), como Morin afirma no livro e também pelo lado do consumo (representatividade).

Enfim, fica a sugestão de leitura para quem ainda não leu e um re-convite ao pensamento de Morin para quem já o conhece.


REFERÊNCIA

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 5ª Ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.

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